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DIREITO GARANTIDO
Nome civil não constará mais no diário de classe, nas declarações e na listagens de alunos (as) utilizadas no cotidiano escolar
Edimarcio A. Monteiro/[email protected]
27/12/2025 às 14:40.
Atualizado em 27/12/2025 às 19:49

Nome social é o modo como a pessoa se autoidentifica e é reconhecida, identificada e denominada na sua comunidade e meio social, uma vez que o nome civil não reflete, necessariamente, a sua identidade de gênero; resolução já entrou em vigor e abrange toda a rede municipal de ensino (Alessandro Torres)
A Prefeitura de Campinas ampliou o uso exclusivo do nome social nas escolas da rede municipal de ensino para alunos transsexuais e travestis. Essa designação é o modo como a pessoa se autoidentifica e é reconhecida, identificada e denominada na sua comunidade e meio social, uma vez que o nome civil não reflete, necessariamente, a sua identidade de gênero. O nome social passa a ser o único a constar no diário de classe, nas declarações, listagens de nomes de alunos (as) de qualquer natureza utilizadas no cotidiano escolar, inclusive as geradas pelos sistemas informatizados, e qualquer tipo de identificação e autorização gerada pelas escola através do uso desses sistemas. As mudanças fazem parte do da Resolução nº27, da Secretaria Municipal de Educação (SME), publicada no Diário Oficial do Município de quarta-feira (24).
De acordo com a nova determinação, a inserção do nome social nos documentos deverá ocorrer no prazo máximo de três dias a partir da data do requerimento. Ela estabelece ainda que os funcionários da escola deverão ser orientados a tratar os estudantes exclusivamente pelo nome social até cinco dias depois do pedido feito. Segundo a resolução, a mudança cumpre o que está previsto na Constituição, leis e decretos federais, estaduais e municipais que tratam sobre o tema. A solicitação da mudança, prevê a medida, pode ser feita à escola a qualquer tempo, com o preenchimento e assinatura de um requerimento, tanto pelo próprio estudante, a partir dos 18 anos, ou por seu responsável legal, no caso de ser menor de idade.
A resolução, que já está em vigor, revogou outra, a SME/ Fumec nº 4 de 30 de março de 2015, que tratava do tema. “Ela é muito mais robusta, muito mais contemporânea e atende muito mais às necessidades da nossa sociedade atual”, disse ontem a secretária municipal de Educação, Patrícia Adolf Lutz, se referindo à nova resolução.
O novo ato administrativo estabeleceu ainda que o nome social, acompanhado do nome civil, deverá constar na matrícula do estudante, prontuário, histórico escolar, certificado de conclusão do curso e no diploma. A resolução anterior estabelecia que no diário de classe, prontuário, declarações e sistema eletrônico da secretaria também deveria constar o nome civil ao lado do social, enquanto no histórico escolar, certificado de conclusão e no diploma apenas o nome civil. “Essa resolução é importante ao assegurar o respeito ao direito individual e coletivo para que nenhuma pessoa sofra nenhum tipo de constrangimento, nem de violência física ou psicológica. Isso já era previsto em 2015, mas agora nós modernizamos e ampliamos para que esse respeito seja assegurado”, afirmou Patrícia Lutz.
REPERCUSSÃO
Para a Aliança Nacional LGBTI+, o uso do nome social é um direito garantido desde 2018 por uma resolução do Ministério da Educação, a CNE/CP 1/2018. “Simplesmente é uma questão de respeito e dignidade. Quando alguém adota nome social, é necessário que as pessoas respeitem, é ofensivo e deselegante fazer o contrário. Se nasceu João e quer ser chamada de Maria, não vai cair sua língua se usar o pronome feminino”, argumentou a coordenadora da entidade, a advogada Amanda Souto Baliza. A entidade surgiu em 2003, inicialmente como grupo de discussão na internet. Em 2016, deu início à organização do trabalho de promoção e defesa dos direitos humanos e cidadania, em especial da comunidade LGBTI+, nos estados brasileiros, o que ocorreu por meio de parcerias com pessoas físicas e jurídicas.
De acordo com a nova resolução, as mudanças buscam “a convivência pacífica no ambiente escolar, sem constrangimento e discriminação; ações pedagógicas que visem à desconstrução e à superação de preconceitos, bem como a prevenção de ações discriminatórias relacionadas às diferenças de gênero e orientação sexual”. A mudança, explicou Amanda Baliza, não representa a alteração do registro civil. “O nome social é o nome que se adota, mas não muda o registro civil. Por exemplo, se a pessoa nasceu João da Silva e escolhe ser chamada de Maria da Silva, usa este nome, mas não altera a Certidão de Nascimento”, afirmou.
A alteração nos documentos pode ser solicitada diretamente no Cartório de Registro Civil onde foi registrada a Certidão de Nascimento ou Casamento da pessoa interessada. É necessária a apresentação de uma série de documentos e há uma taxa para sua realização. Entre eles, estão RG, CPF, Título de Eleitor, comprovante de residência e várias certidões de antecedentes estaduais e federais. Caso haja alguma pendência nessa documentação, será necessário ingressar com uma ação judicial, de acordo com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo. A retificação do nome e do gênero foi garantida por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) tomada há sete anos. Ela garantiu a alteração sem a necessidade de comprovação de cirurgia de readequação sexual ou tratamentos hormonais, tampouco de autorização judicial.
COTA NA UNICAMP
Não há dados precisos sobre a população homossexual, transexual e travesti, mas um dos indicadores aponta que a Região Metropolitana de Campinas (RMC) registrou 331 casamentos homoafetivos em 2023. O número é recorde considerando o período desde 2013, quando o Conselho Nacional de Justiça autorizou a união civil em cartórios. O maior número anterior registrado pela pesquisa sobre matrimônio divulgada pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) foi em 2018, 324. O levantamento feito com base nas Estatísticas de Registro Civil foi divulgado em junho, mês em que se celebra o orgulho LGBTQIA+. De acordo com o estudo, a Grande Campinas está entre as quatro regiões metropolitanas com a maior média de casamentos homoafetivos do Estado de São Paulo. A taxa foi de 1,84% do total de 17.954 uniões registradas em cartório.
A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), uma das principais do país, aprovou neste ano a criação de Cota Trans. O modelo prevê que os cursos com até 30 vagas regulares deverão ofertar, no mínimo, uma vaga como regular ou adicional para pessoas que se autodeclaram trans, travestis ou não binárias. As vagas serão disponibilizadas no Edital Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)-Unicamp e vão permitir a participação tanto de candidatos de escolas públicas quanto privadas. Já os cursos com 30 ou mais vagas deverão ofertar duas vagas, podendo ser regulares ou adicionais. Quando não forem adicionais, essas vagas serão subtraídas das demais. O modelo define ainda que metade das vagas serão distribuídas atendendo aos critérios das cotas para pretos, pardos e indígenas (PPI). A nova cota já está valendo para o Vestibular 2026.
Ao realizarem a inscrição para o vestibular, os candidatos interessados na cota tiveram que se autodeclarar como pessoa trans, travesti ou não binária. Eles tiveram que fazer um relato, por escrito, contando sobre a experiência de vida e demais fatores que consideram importante, por exemplo, o processo de transição de gênero, uma espécie de roteiro com as informações que são necessárias para a avaliação. Uma comissão vai analisar o relato escrito para verificar se a pessoa cumpre os requisitos para a cota.
De acordo com o coordenador da Comissão Permanente para os Vestibulares da Unicamp (Comvest), José Alves Neto, a conquista de direitos é um processo gradual. “Há desafios enormes, há tensões, mas, ao mesmo tempo, é a pluralidade desse ambiente que faz com que a ciência possa avançar, com que as nossas aulas sejam melhores, porque nós também mudamos enquanto instituição, enquanto docentes”, afirmou. Vicenta Perrotta, fundadora do Ateliê TRANSmoras, participou do processo para a conquista da Cota Trans na universidade. Ela destacou o processo de valorização da vida e dignidade das pessoas e “à oportunidade de construir um futuro através de uma profissão”.
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