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O estudante Matheus Chagas conta que as ofensas homofóbicas já aconteciam há cerca de 1 ano, inclusive levando ele e o namorado a se mudarem do local
"Viados têm que morrer", "Viado se resolve na pancada" e "Enfim vou matar um viadinho". Estas foram algumas das ofensas proferidas por um sargento da Polícia Militar (PM) no último domingo (13), antes de agredir com uma barra de ferro um estudante no bairro Carlos Prates, na região Noroeste de Belo Horizonte.
Matheus Felipe Chagas, de 36 anos, conta que as ofensas homofóbicas tiveram início há cerca de 1 ano atrás, desde que o seu namorado, de 24 anos, se mudou para uma kitnet que fica acima da casa do policial militar, de 48 anos.
"A varanda da casa dele dá para a janela do nosso quarto. Sempre que estávamos lá, ele começava a vociferar coisas como 'viadinho', 'bichinha', 'piranha', 'travesti', e coisas do tipo. No último dia 25 de janeiro, eu enfrentei ele e ele começou a me ameaçar de morte, foi na rua para tentar me agredir e nós chamamos a polícia", detalha.
O sargento teria se escondido em casa após a chegada da viatura e não atendeu aos policiais. Na ocasião, foi registrado um boletim de ocorrência por difamação, apesar das ameaças de morte terem sido testemunhadas por uma vizinha. Com medo após o ocorrido, o casal resolveu então se mudar do imóvel, retornando ao local somente em algumas ocasiões para vender os móveis.
"No domingo fomos lá para buscar alguns objetos pessoais que restaram e, quando fomos entrar, vi que a porta estava com indícios de arrombamento. Estávamos conversando sobre chamar a imobiliária ou a polícia e, como as paredes são muito finas, acredito que ele escutou e começou com as ofensas novamente", lembra Chagas.
Após ser confrontado pelas vítimas, o militar teria então ido para a porta da casa deles e falado que "viados têm que morrer". Ele ainda se identificou como policial e disse que eles estavam presos. Neste momento, o namorado de Matheus gritou que tinha chamado a polícia e o suspeito então entrou em casa gritando que "resolveria a situação ali" e que "viado tem que ser resolvido na pancada", retornando com uma barra na mão.
"Eu estava no corredor e ele gritando que ia invadir o prédio para nos matar, que qualquer um de nós que saísse na rua morreria pelas mãos deles. Como sou mais forte e entendo um pouco de defesa pessoal, eu saí. Ele avançou e começou a me bater com a barra de ferro. Mirou na minha cabeça, mas eu consegui desvencilhar e ela bateu no meu queixo e na minha perna", detalha.
Enquanto tentava soltar a barra, o militar ainda teria dito que "enfim ia matar um viadinho". Foi então que chagas resolveu reagir e derrubou o militar. "Eu não sou uma pessoa agressiva, mas para mim foi horrível, pois ou eu agredia ou ele ia me matar ali naquele momento", completa a vítima.
Polícia tentou registrar crime como 'briga de vizinhos'
No domingo, assim que a PM chegou ao endereço, o casal teria sido informado pelos policiais que o suspeito seria "policial reformado". Entretanto, segundo o Portal da Transparência do Governo de Minas, trata-se de um 3º Sargento da Ativa, porém, a informação sobre onde ele seria lotado seria "sigilosa".
Já na delegacia, os militares que atenderam à denúncia a todo momento tentaram evitar a tipificação como homofobia, mas sim como "briga de vizinhos".
Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu criminalizar a homofobia. Os ministros determinaram então que, até que a Câmara aprovasse uma lei tipificando o crime, atos homofóbicos deveriam ser registrados como racismo, crime que tem pena mínima de 3 a 5 anos de reclusão.
"Percebemos que eles estavam tentando fazer isso e chamamos um advogado. Precisei gastar um dinheiro que eu não tinha, com o advogado, e chamar o assessor da Comissão de Direitos Humanos da ALMG para garantir que não registrassem por um crime menor do que realmente aconteceu", lembra Chagas.
O estudante conta que, agora, está com medo. "Os móveis estão lá e nem buscar a gente pode, pois ele já falou que vai matar a gente quando chegarmos lá. Quando disse que precisaria de escolta para buscar nossos pertences em casa, a polícia negou. Estamos com muito medo", garante.
A assessoria de imprensa da PM foi procurada por O TEMPO e questionada sobre a dificuldade para registrar os crimes contra o sargento e, também, se a corporação já deu algum treinamento ao efetivo sobre o registro do crime de homofobia como racismo, conforme entendimento do STF.
Por meio de nota, a corporação informou apenas que tratava-se de "problema de vizinhança envolvendo militar fora do horário de serviço, o que caracteriza crime comum e não crime militar". "A PMMG esclarece ainda que as todas as medidas administrativas já foram adotadas pela Corregedoria da instituição", finaliza o texto.
A Polícia Civil (PC) também foi procurada, informando que os envolvidos foram ouvidos e liberados no dia. "Na ocasião, a autoridade policial ainda instaurou procedimento investigativo para apurar os fatos e a investigação segue em andamento. Outras informações serão prestadas com o avançar da investigação para não comprometer o andamento do feito", completa.
Comissão da ALMG acompanha denúncia
De acordo com a assessoria da deputada estadual Andreia de Jesus (PSOL), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), eles estão acompanhando a denúncia.
"Se já não bastasse as vítimas terem tido que se mudar por perseguições e serem violentamente agredidas ao tentar realizar a parte final da mudança, agora sofrem nova violência, só que por parte do estado. Na delegacia enfrentaram resistência para que boletim de ocorrência fosse registrado como crime de homofobia, o que ocasionou a perda do flagrante, e só tiveram este direito garantido após muita insistência do representante da Comissão de Direitos Humanos da ALMG, dos advogados e de uma rede militante", diz a nota divulgada pela parlamentar.
Orientado pela coordenadora do Centro de Referência LGBQIA+ do Estado de Minas Gerais, Walkíria La Roche, as vítimas procuraram na segunda-feira (14) a Delegacia Especializada em Repressão aos crimes de Racismo, Xenofobia, Homofobia e Intolerâncias Correlatas (Decrin), que investiga o caso.
Atualizada às 19h52