ARTICLE AD BOX
Seus pais a chamaram de Carlos quando ela nasceu em Madri, em março de 1972, porque era um menino. Ela fez carreira como ator sob o nome Carlos Gascón, especialmente em telenovelas hispânicas, casou-se e teve uma filha. Mas seu corpo e sua mente escolheram outro caminho. Tornando-se Karla Sofía, com cabelos longos até os ombros e um porte confiante, sua carreira também seguiu outra direção. Sem ela, Emilia Perez, o novo filme incrível do diretor francês Jacques Audiard, não teria a mesma intensidade. Numa suíte do Hotel Plaza, em Bruxelas, passamos uma hora enriquecedora com essa personalidade calorosa, que alterna entre espanhol e inglês para responder às perguntas.
MARIE CLAIRE Até agora, você teve duas vezes uma carreira dupla: uma na televisão, outra no cinema; uma como homem, outra como mulher. Mas é agora, aos 52 anos, que você vive a melhor parte desse percurso?
KS Quando comecei todas essas mudanças decorrentes da minha transição, eu não sabia onde isso me levaria. Temia que me oferecessem empregos geralmente atribuídos a pessoas trans, como a prostituição. Eu não me sentiria confortável com isso, sendo alguém que nem come no mesmo prato que a própria filha. Não acho que teria sido uma boa prostituta! (Risos). Minha esposa me perguntou o que eu faria, e eu respondi: Vou superar tudo isso. Então, sim, hoje estou exatamente no melhor momento e lugar da minha carreira.
MC "Emilia Perez", que é ao mesmo tempo um musical e um drama moderno, é um sucesso formal. Você já teve, no passado, a oportunidade de atuar em um filme tão impactante?
KS Em 2013, no México, filmei Nós os Nobres, que foi um sucesso estrondoso. E, ao entrar para o elenco de Emilia Perez, tive imediatamente a sensação de estar em um filme tão importante quanto aquele. A diferença aqui é que o elenco é internacional. Trabalhar com Jacques Audiard foi uma oportunidade excepcional. Eu nunca tinha encontrado um nível artístico como esse. Essa profissão é como uma maratona: é preciso paciência. Temos que ter clareza sobre nossos objetivos. Na carreira de atriz, 2 + 2 nem sempre é igual a 4.
Podemos nos esforçar muito para agradar um diretor e acabar com um papel secundário em uma produção local. Por outro lado, às vezes, caminhando pela rua, podemos ser descobertos por um diretor de elenco e contratados para um grande filme. É preciso saber viver com isso e amar o que se faz. Porque não fazemos isso pelo dinheiro ou pela fama.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_51f0194726ca4cae994c33379977582d/internal_photos/bs/2025/M/w/2uTsKrQjybOvJfuZUs8w/whatsapp-image-2025-01-05-at-23.50.48.jpeg)
MC No filme, você interpreta o chefe de um cartel de drogas mexicano que decide transicionar porque sempre se sentiu mulher. Você se identifica com esse personagem nesse aspecto?
KS Claro, embora, tirando um baseado de maconha que fumei aos 20 anos, eu nunca tenha usado drogas na vida. Então, sim, ele e eu fizemos a escolha da transição e de mudar de gênero. Mas o verdadeiro ponto em comum entre esse personagem e eu é que ambos não aceitamos a perda de entes queridos.
MC Uma das peculiaridades do seu papel é que ele é duplo, já que você interpreta tanto Manitas, o chefão, quanto Emilia, sua versão feminina. Além disso, você canta em muitas cenas e está cercada por dançarinos. Isso foi difícil?
KS Musicais não são meu gênero cinematográfico favorito, embora eu tenha gostado muito de La La Land, por exemplo. Este filme não é 100% um musical. Eu adorei trabalhar com Damien Jalet, o coreógrafo belga, e com Camille, a musicista francesa, que é muito envolvida em seu trabalho. Eu danço como um robô e canto como um gato à noite. (Risos). Mas pude ensaiar com ótimos treinadores. E tive que fazer isso com duas vozes diferentes: a de Manitas e a de Emilia. Também precisei aprender a me mover de maneiras distintas. Mas eu não tenho medo de trabalhar 25 horas por dia.
MC Você ganhou o Prêmio de Interpretação Feminina em Cannes junto com suas coestrelas Zoé Saldana, Selena Gomez e Adriana Paz. Em 2006, o elenco feminino de Volver, de Almodóvar, liderado por Penélope Cruz, também foi premiado em conjunto. O que acontece com as atrizes espanholas, já que isso só acontece com vocês?
KS Ah, acho que há excelentes atrizes em todos os lugares, na China, na Índia, nos Estados Unidos, na Alemanha ou na Bélgica. Não sei explicar as escolhas do júri de Cannes.
MC Esse prêmio de Cannes muda algo na sua carreira?
KS Sim, e bem, era hora de uma atriz transgênero ganhar um prêmio prestigioso. Então, calhou de ser eu. Desde que recebi esse prêmio, estou constantemente promovendo o filme em diferentes países.
MC Você enfrentou, na França, ataques virulentos e transfóbicos da deputada de extrema direita Marion Maréchal. E recebeu o apoio de muitas pessoas. Tornar-se a voz das pessoas trans não é pesado demais?
KS Eu sabia que seria atacada. Já tinha sido no passado. Essas pessoas se sentem ameaçadas porque eu represento a liberdade que elas se recusam a ter. Acho que posso apoiar a causa de qualquer minoria, não apenas das pessoas transgênero. Sou um exemplo de constância, dignidade e amor pelo meu trabalho. Se sou uma pessoa de referência, é disso que sou representante, não apenas da comunidade à qual pertenço. Caso contrário, represento apenas a mim mesma e minha verdade pessoal.
MC Vimos você participar do Vogue World em Paris. Você é uma fashionista?
KS Não, e me sinto muito distante desse mundo. Mas esse tipo de evento é interessante porque você usa seu próprio corpo como se fosse uma marionete. E isso traz alegria e felicidade. Havia uma equipe de 300 pessoas trabalhando no show, e foi fascinante acompanhar de dentro. Mas acho que tenho um equilíbrio real na vida. E não pretendo mudar isso.
"Emilia Perez", de Jacques Audiard, com Karla Sofía Gascón, Zoé Saldana, Selena Gomez e Adriana Paz, que estreia nos cinemas do Brasil em 6 de fevereiro de 2025.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_51f0194726ca4cae994c33379977582d/internal_photos/bs/2025/w/0/xvrYR5TmqXOAhKetbkKg/whatsapp-image-2025-01-05-at-23.50.57.jpeg)