Programadora travesti cria projeto de inclusão digital - 08/11/2024 Social+ - Folha

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Ciente de que integra círculos da exclusão por ser ao mesmo tempo negra, travesti, nordestina e periférica, Luana Maria da Luz Barbosa trabalha por direitos da comunidade LGBTQIAPN+ em Pernambuco.

Seu estado natal, Pernambuco, é o que mais matou travesti em 2022 e, ao mesmo tempo, o que mais tem gerado oportunidades –alta de 33% em oferta de vagas pautadas pela diversidade.

"Chegar até aqui não foi fácil", diz Luana, 24, sobre os estigmas em casa e na escola, onde apanhou e foi alvo de bullying.

Mostrou força, reagiu a ataques e rompeu barreiras para quem é travesti ao completar os estudos no ensino médio, manter-se em um lar e não cair na prostituição.

Segundo a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), só em 2023 145 pessoas trans foram assassinadas no Brasil. Números colocam o país como o que mais mata transexuais no mundo.

Isso torna Luana alvo até em seu bairro, onde, diz, há muitos trans que ficam, como sua vizinhança, à margem das políticas públicas e à mercê das violências.

Programadora Java Full Stack, ela criou a Pajubá Tech, reuniu outras travestis, e é do Ibura, que realiza eventos, cria projetos e informa jovens para quebrar ciclos de violência e acessar o mercado de trabalho.

Uma revolução para quem foge das estatísticas e tem hackeado o sistema, da cisgeneridade.

"Eu sempre fui travesti. Desde pequena, gostava de brincar entre as meninas. Minha família era religiosa. Tinha muito estigma. A escola não entendia e via meus comportamentos como problema. Isso reverberava em casa.

Cheguei a apanhar muito. Mas nunca abaixei a cabeça. Não podemos deixar o preconceito nos diminuir. Minha comunidade, aqui no Ibura, tem muitos trans. E eles precisam acessar as informações que eu acessei.

Quando terminei o ensino médio, meus pais pagaram um cursinho. Vi na tecnologia um caminho que poderia ser também o de outras pessoas como eu.

Aos 20 anos, eu passei no curso técnico em Saneamento Ambiental no Instituto Federal de Ciência e Tecnologia de Pernambuco (IFPE). Era a primeira pessoa trans a ingressar no departamento.

Mas aí vi o retrato de como o mercado de trabalho é misógino e preconceituoso. Eu estava no processo de retificação dos documentos, e eles não aceitavam meu nome social.

Nos documentos, eu ainda era Lucas. Eles alegaram fraude. Foi um desgaste. Quando você se assume trans, travesti, LGBT+, todo o entorno muda, ou deveria estar preparado para mudar. Por isso não desisti.

Cheguei a processá-los, mas o caso foi arquivado. O lado bom foi que fiz com que eles dessem treinamento para os servidores sobre diversidade.

Isso já mostra porque travestis desistem de acreditar na educação e no mercado de trabalho. Não aceitação também é uma forma de violência. Quando você não é aceito em casa, na escola, no trabalho, você se isola, vai para a rua e tem a prostituição como única saída.

Todos imaginavam que era iria me prostituir quando eu me assumi travesti aos 17 anos. Até falo nas palestras e nas oficinas que eu nunca consegui um emprego CLT, mesmo com tanta inteligência e capacidade. Foi isso o que me motivou a criar a Pajubá Tech.

Meu primeiro contato com a tecnologia foi em 2021, lá no Programa Meninas, em São Paulo. As aulas foram online. Nesse processo ganhei um notebook e aprendi a introdução à linguagem de programação.

Eu fui me identificando com a área de desenvolvimento. Então, em 2022, eu me formei como desenvolvedora Java Full Stack Júnior pela Generation Brasil, também de São Paulo.

E aí, em outubro de 2022, eu crio o Instagram da Pajubá para compartilhar o meu conhecimento e inspirar outras pessoas. Ter esse senso de comunidade tecnológica.

Nesse processo, eu entendi a oportunidade de transformar a Pajubá Tech em um negócio de impacto social. O nome é uma mistura de Iorubá e português, uma linguagem usada por mulheres trans e travestis. E tech remete a tecnologia.

É uma forma de trabalhar pela inclusão, de mostrar a jovens e trans que a tecnologia pode ser caminho para acessar informações e para expressar seus talentos. Garantir que alguém acesse o mercado de trabalho é garantir que conquiste todos os direitos.

Todos falam que o mercado de tecnologia precisa de profissionais. Mas aí pedem certificação disso e daquilo. Por isso debatemos tecnologia a partir da visão da periferia. Fazemos isso no Summit, evento que criamos e já está em sua segunda edição.

Impactou diretamente 23 líderes de ONGs, coletivos e projetos sociais, além de 246 pessoas LGBT+, negras e periféricas. Todos receberam formação, apoio e oportunidades que ampliaram suas perspectivas econômicas e profissionais.

Hoje a Pajubá Tech tem nove pessoas, todas negras e periféricas. E a gente acabou de ser aprovado em edital, o primeiro feito para protagonismo da mulher e de pessoas trans, do Fundo Elas.

O valor que recebemos nos permitiu realizar a segunda edição do Summit e vai ajudar a construirmos o PajuZap, um chatbot integrado o WhatsApp para receber e monitorar denúncias de violência de pessoas trans.

Temos que ter dados para ajudar a política pública, já que há muita subnotificação quando se trata da população trans no Brasil. Esse chatbot deve estar pronto até o final do ano.

É um sonho, entre tantos. A Pajubá Tech não é só empresa de tecnologia, e sim um espaço onde as pessoas se acolhem e, a partir de nossas vulnerabilidades, conseguem também se potencializar.

Assim vou costurando acordo com empresas, como a Microsoft, que nos concede vouchers para que eu possa dar formação técnica, Faço palestras e consultorias sobre diversidade.

O mundo está mudando. Mas precisa avançar muito. Sou a única travesti no Comitê Gestor da Internet no Brasil.

Eu me sinto furando bolhas e, direto do Ibura, fazendo pequenas revoluções. Ou melhor, eu me sinto cada vez mais hackeando o 'CIStema'."

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