Professora travesti sofre represália por denunciar fome em universidade - Estado de Minas

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Faixa com a sigla UFSB, completada com pichaAtividade proposta por Dodi Leal visava denunciar a falta de um bandejo na UFSB, o que prejudica a permanncia dos alunos na instituio (foto: Divulgao)

A professora trans Dodi Leal foi acusada de “m-conduta” e “depredao do patrimnio” por realizar uma atividade em defesa alimentao dos alunos da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). O episdio foi apontado por Dodi como uma atitude transfbica, uma vez que outra professora cis realizou atividade semelhante e no sofreu represlias da entidade. 

A atividade fazia parte do componente curricular "artes, comunidades e espacialidades", do curso de artes da UFSB, e props pichaes para denunciar que os alunos no tinham acesso alimentao e passavam fome devido falta de um restaurante universitrio, um “bandejo”, no Campus Sosgenes Costa. A universidade uma das poucas no pas que no conta com um restaurante em seu terreno.

Acusao de “m conduta”

Dodi Leal Dodi Leal a a primeira professora trans a ser efetivada no ensino de arte superior pblico do mundo (foto: Arquivo pessoal)

Dodi foi notificada do processo do Comit de tica da UFSB por "m-conduta" e "violao de patrimnio" apenas trs meses depois da abertura do mesmo, no dia 6 de outubro deste ano, j com uma proposta de acordo, prometendo que no cometeria mais depredao do patrimnio. Caso ela assinasse o documento, a universidade arquivaria o processo. 

Entretanto, a  professora destaca que a prtica da pichao como atividade pedaggica est proposta no plano de ensino do curso. Outra professora, tambm da mesma disciplina, mas de outro turno, realizou a mesma atividade com seus alunos e no foi notificada pela universidade,  o que para Dodi revela o carter transfbico da acusao. “Eu recebi como uma transfobia, fiquei muito assustada”, relata Dodi.

Repercusso e notas de repdio

Diante dos acontecimentos, os alunos da UFSB se mobilizaram em defesa de Dodi. “O caso dessa denncia recair sobre Dodi, uma pessoa comprometida com o ensino de artes e competente em sua atuao, no desprovido de um carter transfbico; em outras situaes docentes e discentes ocuparam essas mesmas paredes e nenhum dano lhes foi direcionado”, afirma a nota de repdio.

A coordenao colegiada do NuCuS, Ncleo de Pesquisa e Extenso em Culturas, Gneros e Sexualidades, da Universidade Federal da Bahia, tambm se manifestou, classificando a ao contra Dodi como “perseguio poltica.

“A perseguio poltica que tem atravessado o ofcio da professora possui, evidentemente, um carter transfbico, visto que a atuao aguerrida da professora - primeira travesti concursada desta universidade - em pautas de defesa dos direitos humanos constantemente colocam-na como um corpo indesejado na hierarquia normativa da universidade”, informa. 

O apoio Dodi e repdio s atitudes da UFSB extrapolaram as fronteiras do estado da Bahia e tambm foram enviadas de Santa Catarina, Minas Gerais e Paran.

“ inadmissvel o cerceamento da livre manifestao dentro do espao do ensino superior pblico federal porque supostamente as paredes devam permanecer brancas, afinal de branquitude a universidade ainda est cheia e preciso colorir este lugar”, escreveu o Grupo de Pesquisa GRIETA, alocado na Universidade Federal de So Joo del-Rei.

“Enquanto paredes brancas importarem mais do que o acesso e permanncia discente, acolhimento, enfrentamento da discriminao e formao plena de sujeitas ticas, o ensino superior se manter masculino, cisgnero, branco e elitizado, excludente”, ressaltou a nota de repdio  produzida por centros acadmicos da Universidade Estadual de Maring.

Trs dias aps a repercusso do caso, o processo movido contra Dodi foi arquivado pelo Comit de tica da UFSB. "Diante do esclarecimento de alguns fatos, a deciso de proposta do ACPP foi revista e foi deliberado o arquivamento do processo em razo do fato/conduta no constituir infrao de natureza tica prevista no Cdigo de tica e em regulamentao normativa desta Comisso de tica", declarou a universidade na nota de arquivamento.

Controle das atividades

Dodi d aulas na UFSB h quatro anos, e explica que, antes da pandemia de COVID-19, as paredes da universidade sempre eram utilizadas para apresentar trabalhos, exibio de cartazes, faixas, lambes e pichaes. “As paredes sempre foram quase como uma extenso da lousa, a gente sempre utilizou as paredes como espao criativo”, conta Dodi. Porm, com a retomada das aulas, todas as paredes estavam pintadas de banco, o que foi considerada uma atitude higienista, que descaracterizava o espao.

Alm disso, aps o arquivamento do processo, foi criado um projeto de criar um edital para estudantes e docentes apresentarem projetos para fazerem intervenes nas paredes da universidade, logo as atividades teriam que ser aprovadas, assim como o local onde estaria a interveno. 

"Eles no entendem bem o que pixao. Esse tipo de prtica, de um edital, fere no s a liberdade pedaggica como tambm o prprio o conceito de arte em contracultura. No faz o menor sentido, esto tentando controlar algo que espontneo, e uma denncia”, analisa Dodi.

A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da UFSB e aguarda um posicionamento. 


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