O Spotify está errado - Dinheiro Vivo

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No início de 2020, quando ainda não sabíamos que as resoluções de ano novo iam brevemente pelo cano abaixo e o candidato democrata à Casa Branca ainda não estava decidido, Bernie Sanders viu-se envolvido em polémica ao abraçar com entusiasmo o apoio público que Joe Rogan lhe tinha dado. O senador independente, que tinha ido ao podcast de Rogan uns meses antes, foi vergastado por ativistas da comunidade LGBTQIA+ quando a sua campanha lançou um pequeno vídeo a promover o apoio.

A controvérsia estava ligada ao histórico de Joe Rogan e à sua sede de dispensar comentários ofensivos a coberto de uma suposta rejeição do politicamente correcto. Rogan chamou a lutadora transexual de artes marciais mistas Fallon Fox "um homem". Disse que um bairro de pessoas negras era o "Planeta dos Macacos." Entrevistou no seu podcast o fundador do grupo de extrema-direita Proud Boys, Gavin McInnes, e deixou-o argumentar que os muçulmanos têm demasiada consanguinidade para poderem ser aceites nos Estados Unidos.

A sua postura rendeu-lhe uma legião impressionante de fãs e a sua abordagem de todo o tipo de tópicos permitiu-lhe alcançar segmentos de audiência muito diferenciados. Mas para alguém que dizia estar "à esquerda" em todas as questões, as tiradas de transfobia, xenofobia e racismo faziam adivinhar uma grande incoerência.

Ora, meses depois de tudo isto acontecer, o Spotify caçou Joe Rogan e deu-lhe um contrato milionário para que o seu podcast, "Joe Rogan Experience", fosse um exclusivo da sua plataforma. O acordo foi anunciado em Maio de 2020 e, segundo o Wall Street Journal, rendeu mais de 100 milhões de dólares a Rogan.

É neste contexto que temos de olhar para a polémica que estourou nas mãos do Spotify e que já levou os músicos Neil Young, Joni Mitchel e Nils Logfren (guitarrista da E Street Band de Bruce Springsteen) a retirarem a sua música da plataforma. Brené Brown, responsável pelos populares podcast Unlocking Us e Dare to Lead, anunciou uma pausa por causa da controvérsia.

A retirada é um protesto contra a desinformação constante em relação à covid-19 e às vacinas contra a doença que Joe Rogan tem promovido no seu podcast. Não são apenas os convidados com credenciais e motivos dúbios que Rogan convida para falarem; é ele próprio a alimentar conspirações que estão refutadas por evidências científicas. E fazê-lo para uma audiência de 11 milhões de pessoas por episódio.

Este comportamento de Rogan, numa altura em que o número de infectados bate recordes e a maioria dos internados nos cuidados intensivos são pessoas não vacinadas, é, no mínimo, irresponsável. Mas o popular apresentador não faz mossa apenas nesta questão. No mais recente episódio do podcast, o psicólogo e autor Jordan Peterson defendeu que o clima é tão complexo que se torna impossível criar modelos para prever o futuro. O canadiano não é especialista em alterações climáticas, mas foi para um dos podcasts mais populares do mundo dizer que os cientistas de topo que realmente estudam esta área estão todos errados.

As declarações de Peterson foram recebidas com espanto e jocosidade pela comunidade científica, mas quem ouviu o podcast de Joe Rogan provavelmente não ouviu o contraditório.

E esse é o problema. O CEO do Spotify, Daniel Ek, publicou um comunicado meio atabalhoado em que tenta colar a plataforma aos problemas que Facebook, Twitter e outras redes sociais tiveram no passado com o policiamento de mentiras. Ek usou a noção gasta de que não está ali para fazer censura.

Só que o Spotify não é um mero conduto de opiniões nem uma plataforma agnóstica que aceita todos os pontos de vista. O Spotify paga Joe Rogan a peso de ouro para que essas mentiras sejam disseminadas na sua plataforma e promove o podcast. No fundo, patrocina activamente a desinformação.

Sabemos bem que este é um tema muito complexo e de difícil resolução, porque queremos uma sociedade pluralista, multilateral, com dúvidas e escrutínio, com espaço para questionar. No entanto, há que chamar estas plataformas à responsabilidade que têm. Não podem querer apenas o lucro à revelia do seu impacto, à revelia da idoneidade.

O apoio que o Spotify dá a Joe Rogan rende-lhe enorme credibilidade e, como tal, a empresa tem responsabilidade sobre as coisas que são disseminadas no seu programa. Um pedido de desculpas em cima do joelho e uma promessa vaga de fazer melhor não são suficientes.

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