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Até poucas edições atrás protagonizado por comportamentos heteronormativos, Big Brother Brasil suscita em sua atual edição debates historicamente reprimidos. Especialistas pontuam efeitos do programa fora da casa
Lucas Braga
lucasbraga@ootimista.com.br

O entretenimento proposto pelo formato dos reality shows tem ganhado vieses de educação e desconstrução de padrões sociais. O Big Brother Brasil (BBB), da Rede Globo, desde 2018, recebe remodelações e ajustes às cobranças populares por inclusão e diversidade. “A casa mais vigiada do Brasil” passou a iniciar discussões mais profundas que reverberaram até mesmo naqueles que não acompanham o programa de televisão ou as mídias sociais.
No edição BBB de 2022, os primeiros dias têm suscitado debates como racismo, gordofobia, LGBTfobia e cuidados com a saúde mental. As redes e o contexto de cibercultura proporcionaram um ambiente de discussão acerca dessas problemáticas. Para Lia Freitas, professora e mestra em Filosofia, o programa tem pautado temáticas conectadas às discussões contemporâneas, a exemplo, no passado, da cultura do cancelamento.
A docente recorda também os episódios de machismo e assédio explícitos na edição de 2020, quando participantes mulheres se uniram contra homens que usaram o comportamento abusivo como estratégia de jogo. “O BBB é uma espécie de lente de aumento sobre essas questões. A gente percebia que as edições passadas eram sobre perfis ligados a algum padrão estético, normalmente corpos brancos e magros ou pessoas a fim de ganhar um prêmio. Os temas gerados eram sobre a própria competição, um jogo psicológico. Hoje, a tendência é abordar as temáticas sociais.”
Transfobia na casa
As perguntas e os problemas do reality, neste BBB 22, envolvem os 20 participantes e estimulam reflexões, a exemplo do desrespeito à identidade de gênero da cantora paulista Linn da Quebrada, 31. A artista é a primeira travesti a participar do programa após 11 anos da transexual carioca Ariadna (BBB 11). Colegas da casa chamaram Linn, na semana que se encerra neste sábado (29), por pronomes masculinos, ainda que Linn tenha a tatuagem “ela” na testa.
Em sua apresentação no BBB, a cantora afirmou: “não sou homem, nem sou mulher, sou travesti”. A discussão ecoou nas redes sociais, incluindo a definição de transexualidade, o raro câncer de testículo que Linn teve anos atrás, a pejoratividade de termos e a aplicação política da resistência das travestis no País.
“Uma coisa importante desse caso é reafirmar a necessidade de respeito à identidade das pessoas, e isso inclui o pronome com o qual se referir a elas. A participação de Linn traz visibilidade para a pauta trans e travesti. A reação dos participantes ao desrespeitarem sua identidade expõe o quanto a nossa sociedade é preconceituosa, machista, homofóbica e transfóbica”, comenta Georgia Cruz, doutora em Comunicação, professora e pesquisadora da Universidade Federal do Ceará (UFC).
A abordagem de tabus e questões como essas podem abrir janelas para milhões de telespectadores e outros, influenciados indiretamente, terem acesso ao conhecimento. “O que ocorre no BBB acaba sendo pauta de várias conversas. É interessante que o debate aconteça, mas, pensando nos participantes que são de grupos minoritários, é muito incômodo ter que explicar constantemente coisas que as pessoas já deveriam saber”, analisa Izabel Accioly, mestra em Antropologia Social. “Essas palavras, usadas de modo displicente, machucam, geram gatilhos, remetem a situações ruins que aconteceram”, aponta, sobre as condições psicológicas.
Gatilhos mentais
A saúde mental tem sido um tema abordado desde o início do reality, cujo formato exige isolamento, perda da privacidade e constante adaptação de conduta para apreciação da audiência. A cantora Naiara Azevedo, 32, teve crise de ansiedade, dentro da casa, e correu para o confessionário assim que avisada que a psicóloga estava disponível.
“Pedir para ser respeitado é muito ofensivo, inclusive. Deveria ser básico e vir espontaneamente. Quanto mais diversos são os participantes, mais divergentes são as ideias e mais conflituosa pode ser a convivência”, completa Izabel. “Há uma discussão interessante, por exemplo, sobre a falta de pessoas com deficiência no programa. Por que não tem?”, questiona.
O ator Tiago Abravanel, 34, tem se mostrado disposto a abordar temas importantes como acessibilidade, relação da indústria da moda e gordofobia. Enquanto a maioria dos demais participantes tem corpo padrão, magro, o artista se exercita. Com a atitude, motivou questionamentos no Twitter se Abravanel seria saudável. O contraponto à ideia de desleixo e preguiça é dado por um homem gay e gordo, que se mostra um dos mais ativos e animados da casa.
As pautas raciais podem nem sempre ser bem representadas, a exemplo do comportamento, nesta edição, da modelo Natália Deodato, 22, que se referiu à escravização de africanos equivocadamente. “Sou preta. Realmente tem a história que a gente veio e viemos como escravos, sim. Por quê? Porque a gente era eficiente. Por quê? Porque a gente era forte. Por que é que a gente veio como escravo? Porque a gente era bom no que a gente fazia”, disse. A fala foi criticada fora da casa pela própria equipe que cuida da imagem e redes sociais da participante. O grupo pediu desculpas.