O espaço das mulheres trans e travestis nos jogos - Jornal 140

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Coisa de menino ou menina?

Jogos são coisa de menino ou de menina? Algumas décadas atrás talvez a resposta saísse na ponta da língua: claro que jogos são coisa de meninos! Hoje isso tem mudado, é notável o quanto as mulheres tem ocupado lugares dentro da comunidade dos jogos, seja simplesmente jogando e compartilhando seu gosto por jogos, seja se tornando curadoras ou pessoas que escrevem sobre o assunto para um grande público interessado, se tornando streamers, ou mesmo produzindo jogos. Tudo isso evidencia um pouco o fato de que existe uma relação entre jogos e o mundo em que vivemos, pois qualquer produção humana estará carregada de humanidade.

Essa mudança obviamente vem acompanhada de elementos do mundo social. Se antes era comum ou até mesmo esperado ver uma personagem feminina construída para ser apelativa, hoje esses exemplos tem diminuído de frequência graças a discussões no interior do feminismo que são levadas para dentro da seara de produção e avaliação de jogos. Mas, e as outras formas de ser mulher? Será que essas mudanças contemplam de alguma forma as “outras” mulheres, como o caso das mulheres trans e travestis?

Trans e Travesti

Ser trans e travesti é basicamente estar em profundo conflito com a sociedade no que diz respeito às normas de gênero. É se ver de um jeito enquanto a sociedade te vê de outro. Isso provoca, de um lado, a necessidade de se colocar em seu gênero, já do lado da sociedade é comum observar uma tentativa de controle e de enquadramento do sujeito no que se espera dele. Uma mulher trans, por exemplo, se vê como mulher, mas a sociedade lhe registrou como homem e espera dessa pessoa tudo o que se espera que homens façam.

Ter de dedicar um parágrafo para explicar sobre o assunto indica o quanto a questão ainda é invisível na sociedade, cenário nada diferente quando se pensa no mundo dos jogos. Quantas mulheres trans e travestis você conhece em um jogo, como streamers, desenvolvedoras de jogos e etc? Conhecer exemplos, saber mais a respeito, tudo isso pode nos ajudar a entrar em contato com o que pode ser, até então, desconhecido.

O “feminino” e o gênero nos jogos – entre estereótipos e normatividades

Trazer exemplos que se encaixam nas expectativas sociais de gênero é tão fácil como respirar. Posso dar uns cem números de exemplos como Shana de Legend of Dragoon, Riona de Final Fantasy VIII, apesar de que, em alguma medida, cada uma busca quebrar um pouco desses estereótipos de gênero associados ao “feminino”, como ser indefesa, fraca, passiva, emotiva, etc. Exemplos de tramas que giram em torno de mulheres já é bem mais difícil, ou que pelo menos conseguem passar no Teste de Alison Bechdel, que consiste em simplesmente contar com alguma cena em que duas mulheres estão conversando sobre algo que não seja um homem.

Final Fantasy IX é um dos poucos jogos que conheço que efetivamente passam no teste e que, além disso, apresenta grandes arcos de enredo sendo protagonizados por mulheres como Garnet e sua mãe Brahne. Falar, então, de mulheres trans e travestis nos jogos… é o que podemos chamar de missão impossível, ou quase.

Todos os exemplos que surgiram na década de 1990 e no início dos anos 2000, como Birdo na franquia Mario da Nintendo, Poison na série Final Fight, Bridget na série Guilty Gear e etc., são envoltos em controvérsias, infelizmente. O único claro e evidente exemplo de pessoa trans é Flea em Chrono Trigger, mas, neste caso, estamos falando de uma pessoa trans não binária, que não se identifica especificamente com o gênero masculino ou feminino. Porém, o papel de Flea, em conjunto com sua icônica frase, foi e é extremamente fundamental para se pensar na comunidade trans e travestis, porque representa o papel de balançar o que se entendem como verdades sobre gênero.

Mulheres trans nos jogos

De 2010 para cá já é mais fácil pensar em mulheres trans nos jogos, como Erica Anderson em Catherine e Madeline, protagonista no jogo Celeste. Isso porque, assim como o amplo feminismo vem mudando um pouco a forma como se representam e como se comportam as mulheres nos jogos, o movimento LGBTQIA+, e em particular o movimento de pessoas trans e travestis, também foi capaz de mudar um pouco esse cenário.

Atualmente temos duas desenvolvedoras trans brasileiras, Tiani Pixel e Fernanda Dias, que estão desenvolvendo o jogo Unsighted pelo Studio Pixel Punk, fundado por Tiani. Unsighted é um jogo de ação/exploração que se passa em um cenário pós-apocalíptico, no qual tempo é algo essencial. As desenvolvedoras comentam que o jogo irá abordar a questão trans, porém de forma sutil. Isso porque é comum observar que as pessoas trans e travestis frequentemente são vistas apenas como alguém que possui um gênero dissidente.

Pelo contrário, pessoas trans e travestis possuem sonhos, medos, anseios, habilidades, fraquezas, da mesma forma que as demais. Além disso, elas possuem muita força para enfrentar a sociedade e a comunidade dos jogos ainda dominada por homens cisgênero e é graças a elas que podemos vislumbrar esses assuntos sendo abordados nas várias produções artísticas humanas. Espero que este período acenda reflexões sobre a situação das mulheres na sociedade e dentro do mundo dos jogos, mas que também possam contemplar essas “outras” formas e jeitos de ser mulher.

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