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"Eu não sou homem, eu não sou mulher. Eu sou travesti".
Assim a atriz e cantora Linn da Quebrada se apresentou aos colegas de confinamento ao entrar no Big Brother Brasil, na última quinta-feira (20).
Quando Linn foi anunciada como participante, muita gente celebrou que, após 11 anos, uma representante transexual estaria no reality de maior audiência do país. A última foi Ariadna Arantes, em 2011. Mas, também, houve quem chamasse atenção para o fato de que Linn se identifica como travesti, e não como uma mulher trans, como Ariadna.
Enquanto as mulheres trans se identificam como mulheres, as travestis também estão no campo feminino e geralmente preferem ser chamadas por pronomes femininos, como "ela" e "dela", mas não necessariamente seguem o binarismo "homem X mulher".
Em vídeo gravado antes do confinamento, a própria Linn explica:
Vale um adendo: diferentemente do que algumas pessoas pensam, a distinção entre mulher trans e travesti não tem a ver com qualquer procedimento médico. Vale a identidade de gênero com a qual a pessoa se identifica, tendo passado ou não por uma cirurgia.
Linn, portanto, é a primeira travesti a participar do BBB
"É imprescindível reconhecer Linn da Quebrada como travesti. Isso é um indicativo de respeito ao modo como ela se reconhece", fala Caia Maria Coelho, pesquisadora e vice-coordenadora da Nova Associação de Travestis e Transexuais de Pernambuco.
"Essa palavra é muito grandiosa, especialmente no país que mais mata travestis e transexuais no mundo", completa a ativista e compositora Angella Ohana.
Para entender a importância do termo, Universa ouviu três travestis que estão acompanhando o reality: Caia, Angella e Maria Gabriela Almeida, escritora e performer.
"Vê-la ocupando esse espaço é uma revolução"
As três entrevistadas declaram suas torcidas para Linn da Quebrada, que em 24 horas de reality show sofreu transfobia: quando foi chamada de "ele" pela participante Eslovênia. Mais tarde, Rodrigo Mussi, do Pipoca, usou o termo "traveco" para se referir a travestis, considerado pejorativo.
"Jamais fomos invisíveis, a sociedade sabe aonde ir quando quer encontrar uma travesti. Mas, com ela lá dentro, o Brasil conhecerá outras maneiras de nos ver, e a televisão ganha muito conforme se abre a outras narrativas", acredita Caia.
Angella completa e celebra: "Em 22 edições, ver a primeira travesti e segunda representante da letra T da sigla ocupando esse espaço é uma enorme revolução"
Usar palavra é maneira de combater o preconceito
Caia, Maria Gabriela e Angella concordam que há resistência de usar a palavra "travesti" entre pessoas cisgênero, que se identificam com o sexo que nasceram, isto é, que não são transexuais ou travestis.
No Twitter, Caia contou que já ouviu do editor de um jornal que não usava a palavra "travesti" no veículo porque "o caderno policial foi extinto" — o que, diz ela, contribui para associar essa população à criminalidade e à violência.
Poucos anos atrás tinha editor chefe dizendo que no jornal dele não se usava a palavra travesti porque o caderno policial foi extinto. Ou seja, no seu imaginário, o termo só pode estar relacionado a violência e criminalidade.
Agora há uma TRAVESTI no maior reality do país! ???
"Há uma tentativa das pessoas cisgênero de higienizar a palavra dos meios de comunicação e, por isso, ignorar a identidade de gênero que a Linn afirma e reafirma. Parece mais 'limpo' tratá-la como uma mulher trans, e não como travesti, que é a identidade de gênero com que ela se identifica", fala Angella.
"E essa resistência se deve ao fato de que existem vários mitos e estereótipos, que foram criados por pessoas cisgênero e reforçados pela mídia, que demonizam o termo. O mito da travesti violenta, que rouba, que causa medo, que não deve estar em sociedade. É uma palavra carregada de muitos estigmas e, por isso, usá-la é uma forma de assumir um compromisso pelo fim desses estereótipos", completa Maria Gabriela.
Além disso, explica, a palavra "travesti" também carrega um peso histórico: "Quando falo que sou travesti, não falo só de mim, mas de muitas outras pessoas que vieram antes e que sou a continuação delas, que lutaram em uma época que a gente não tinha direito sequer de sair à rua durante o dia".