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Dias de luta, dias de glória!
Emissão de nova certidão de nascimento e outros documentos são comemorados, mas nem sempre foi assim
Robson Adriano
online@acritica.com
22/01/2023 às 08:43.
Atualizado em 22/01/2023 às 08:43
Você sabe a importância do seu nome para a história? É por meio dele que somos apresentados, identificados, temos acesso a direitos e deveres. Ou seja, é a nossa marca no mundo e como somos expostos na vida. A população transgênero (pessoas que não se identificam com o gênero a qual foram designadas, baseado no sexo biológico) tem o direito de alterar o nome na certidão de nascimento de acordo com o gênero que se identificam.
Janeiro é o mês de Visibilidade Trans, voltado para celebrar as conquistas, reforçar as lutas e garantir direitos de pessoas que formam 2% (4.286 milhões) da população brasileira, segundo pesquisa de 2021 realizada pela Faculdade de Medicina de Botucatu.
“Hoje, eu consegui uma das maiores realizações. Minha nova certidão. ARIANA, SIMM!!! MULHER, SIM! (sic)”, escreveu a DJ, influenciadora e modelo Ariana Paes, 25 anos, mulher transgênero, na publicação em rede social onde celebra a nova certidão de nascimento com o nome escolhido para si.
“Estou tão feliz que não cabe em mim tanta felicidade. Eu entendo a importância da representatividade que eu tô tendo hoje. Para muitas é bem difícil, mas nada, nada é impossível”, completou na legenda.
Ariana Paes e sua mãe, Mércia Regina (Arquivo pessoal)
Ariana diz que sempre se achou diferente dos outros meninos e das meninas.
Historicamente, no dia 29 de janeiro de 2004, um ato em Brasília (DF), chamado “Travesti e Respeito” promovido por ativistas sociais Trans foi realizado no Congresso Nacional. A data ficou marcada como o dia da visibilidade Trans e o mês de janeiro representa um marco importante para reforçar a luta por direitos.
“Seja resistência” é muito mais do que uma expressão bonita e contemporânea para se usar nas redes sociais e pagar de desconstruído. Na vida e rotina de pessoas transexuais, a frase é quase um canto de guerrilha da luta pela sobrevivência no país que mais mata e marginaliza trans e travestis no mundo. Então, a data é quase um “‘lembra da gente’, nós estamos vivas e merecemos estar vivas”, analisou Ariana Paes.
Desde os 16 anos...
A atriz e roteirista Maria do Rio Negro, 26 anos, travesti, vive há 8 anos como trans em Manaus e relembra que desde os 16 anos já se identificava com o feminino. Após um processo que perdurou por dois anos, ela possui a certidão de nascimento e demais documentos com o nome retificado.
"O meu cartório de nascimento se recusou a trocar o meu nome gratuitamente e só faria isso se eu pagasse o valor de R$ 500, mas, sei que a Lei garante a gratuidade. Entrei com o processo junto à Defensoria Pública do Amazonas e em 2022 consegui alterar o meu nome”, explicou.
A atriz e roteirista Maria do Rio Negro, 26 anos, vive há 8 anos como trans em Manaus e relembra que desde os 16 anos já se identificava com o feminino (Foto: Léo Martins)
Para Maria, o dia 29 de janeiro é um dia de luta e celebração. “Eu acredito que é um dia de luta e visibilidade. Pessoas LGBTs lutaram pela nossa causa. Quando uma travesti está na rua, ela está dando a vida ali. É o momento da gente celebrar a nossa vida. É o momento da gente ter orgulho”, pondera.
Como atriz, Maria atuou no curta-metragem premiado no Mix Brasil 2021, “Manaus Hot City” e deseja dar vida a personagens que fujam do estigma da violência. “A gente quer participar de filmes de glória. Quero pessoas trans em situações do cotidiano, da vida comum. Filmes que mostrem a gente vivendo e não sobrevivendo”, ressalta Maria.
Dois anos para mudar a certidão de nascimento
Há sete anos que o trabalhador humanitário e especialista em Sexualidade, Gênero e Direitos Humanos pela Universidade Estadual do Amazonas (UEA), Thiago Costa, 34 anos, homem transgênero, refletiu sobre como se relacionaria consigo e com o outros.
“Quando eu era pequeno não pensava muito se queria ser menino ou menina. Eu só queria usar uma roupa confortável e estar no meio das pessoas pra interagir. Primeiro eu entendi quais pessoas eu gostaria de me relacionar e somente aos 27 (anos) eu pensei em como eu queria me relacionar comigo e após conhecer um homem trans e ver vários relatos de outros no YouTube me identifiquei como homem e decidi transicionar”, relatou.
Thiago Costa, 34 anos, demorou dois anos para conseguir mudar o nome na certidão de nascimento (Foto: Arquivo pessoal)
Ele conta que antes mesmo do Provimento já havia alterado os documentos. “Demorou uns 2 anos pra mudar apenas a certidão de nascimento e mais um ano pra mudar os outros seguintes. Paguei no máximo uns R$ 80 no cartório de protestos pra tirar uma certidão negativa. O restante foi gratuito com ajuda das advogadas”, detalhou.
Na rede pública de saúde, Thiago, relata que foi vítima de transfobia dentro de um consultório ginecológico em uma Unidade de Saúde da Família (USF) em Manaus. “A ginecologista alegou pra mim na frente de outras pessoas que ginecoligista era só pra mulheres, que não existiam homens que precisavam desse atendimento”, relembra.
Celebração, reflexão e luta. Para Thiago essas três palavras definem a data do dia 29 de janeiro. “Celebrar a vida das pessoas trans que ainda estão entre nós. Refletir sobre a necessidade de ter uma data específica pra lembrar dessa população extremamente invisível como profissional de qualidade e como ser humano. E lutar pra melhorar as condições de vida e de afeto das pessoas trans que estão em nosso círculo de amizades e família pra que elas não precisem passar por o que outros já passaram”, analisou.
Números escassos e subnotificados
A importância de falar sobre visibilidade está demonstradas nos dados sobre a população Trans. Esses números ainda são escassos, subnotificados ou até mesmo inexistentes, para uma população formada por mais de 4 milhões de brasileiros e brasileiras no ano de 2021.
As únicas pesquisas ou estatística populacional onde a realidade Trans é relatada são elaboradas por faculdades públicas, associações LGBTQIAP+, institutos independentes e comissões internacionais.
Direito à mudança de prenome e gênero
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4275, julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em março de 2018, concede aos transgêneros o direito à substituição de prenome e gênero diretamente no Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais (RCPN).
A Corregedoria Nacional de Justiça publicou o Provimento nº 73/2018, para padronizar a averbação da alteração de prenome e do gênero nos assentos de nascimento e casamento de pessoa transgênero e transexuais.
No Amazonas, segundo a Associação dos Notórios e Registradores do Brasil (Anoreg), 401 nomes e gêneros já foram retificados desde 2018.