Com uma mistura de bandeiras de arco-ris e coraes vermelhos, junho o ms do amor. As ruas se enchem de casais apaixonados em um clima de romance. Mas, tambm uma poca de luta para a comunidade LGBTQIA+, que enfrenta desafios dirios para se sentirem seguros e livres para viver a sua sexualidade e seu gnero. Unindo as datas, convidamos cinco casais LGBTQIA para compartilharem suas histrias de amor, de companheirismo e contar o que os mantm unidos na luta contra o preconceito e a favor do amor livre.

S de Segurana
No Brasil, pas que mais mata transgneros e travestis no mundo, conforme pesquisa da Transgender Europe (TGEU), a modelo Lana Santucci e o body piercer Estevan Vicente encontram segurana um no outro. O casal transcentrado, ou seja, composto por duas pessoas trans, no caso, uma mulher trans e um homem trans. “Ele meu porto seguro”, diz Lana. A modelo conta que o namorado a acalma durante crises de ansiedade.
Eles tambm se veem como um abrigo em momentos de insegurana, conta Estevan. “A gente tem histrias parecidas. A minha histria no igual da Lana nem de outra pessoa trans. Mas a gente tem o mesmo sentimento. A gente tem a mesma passagem e sempre se ajuda.” Lana comenta que “a gente tem momentos de fragilidade, a gente erra um com o outro", mas superam os desafios juntos. “Qualquer relacionamento, sendo ele htero, ou gay, ou transcentrado, ou no, a gente erra e sabe se ajustar. Por sermos dois corpos trans, ns temos um respeito gigante um pelo outro. Sabemos os nossos limites.”
Eles se conheceram no Twitter. “Eu vi o perfil dele e achei ele muito bonito”, lembra Lana, que logo seguiu, curtiu e comentou em vrias publicaes dele. “Eu fui bem saidinha”, brinca. Depois, eles comearam a conversar no WhatsApp e o amor surgiu. Segundo o body piercer, essas conversas unem o casal. “Gosto de conversar sobre vrios assuntos. E toda vez que eu falo sobre algo, ela complementa. A gente tem um dilogo bem legal”, comenta Estevan, elogiando a inteligncia da namorada.
No TikTok, a modelo tem mais de 770 mil seguidores e fala sobre sua vida pessoal nas redes sociais. O casal tambm trabalha com influenciadores digitais e tem parcerias com marcas. Mas, em meio a tanto amor, tambm h dio. O casal lida de formas diferentes com comentrios maldosos no mundo digital. Antes de ser modelo, Lana era YouTuber e streamer do jogo League of Legends (LOL) e j leu comentrios muito ruins. “Eu tenho um estmago de ferro, que uma coisa que o Estevan est aprendendo”, comenta. Com a fama recente, Estevan revela que ainda no lida bem com comentrios negativos. “A gente no responsvel pelo que o outro entende. Somos responsveis pelo que a gente fala”, confessa.
Enquanto Estevan muito preocupado com sua imagem pblica, Lana mais solta. “Eu falo mesmo. Porque no devo nada a ningum. Sou travesti e tenho mais de 6 anos de harmonizao e sou pessoa pblica neste mesmo tempo”, diz a namorada. A identidade de gnero e a orientao sexual no afetam o casal. “Sempre gostei de mulheres. Trans ou cis, para mim no tem diferena”, afirma Estevan.

F de Famlia
O casal Edvaldo e Gildivan tem 140 mil seguidores no TikTok, que acompanham assiduamente sua rotina, compartilhada com muito bom humor. A histria dos dois juntos, inclusive, “parece comdia, mas no ”, conta Edvaldo. Ele sempre via Gil passando na rua, mas no tinha coragem de iniciar uma conversa. Isso porque, alm de viver em um ambiente muito conservador, era pregador e professor de teologia em uma igreja.
Certo dia, Edvaldo tomou coragem e passou seu telefone para sua paixo platnica. “Eu ia igreja e pedia a Jesus, os homens geralmente pedem uma esposa, eu pedi um companheiro”, diz. Enquanto esperava a ligao, que “demorou um pouquinho”, Edvaldo saiu da igreja e abandonou a faculdade de teologia. Quando recebeu a ligao, pensou “deu certo, Jesus ouviu minha orao”.
Passaram-se 14 anos desde ento. No foi o primeiro relacionamento duradouro de Gil, que foi casado por 13 anos com a me de seus quatro filhos. Mas, ao conhecer Edvaldo, ele descobriu um afeto diferente do que teve na antiga relao. “Eu gostei que ele muito carinhoso e at hoje ele assim comigo. Eu nem imagino ficar sem ele.”
Por ter passado tanto tempo ao lado de uma mulher, Gil recebeu muitos comentrios preconceituosos quando assumiu sua relao com Edvaldo. Pessoas prximas diziam que “isso apenas uma fase”. Ele, que dono de uma loja de roupas, conta que j recebeu vrias cantadas de mulheres, mas garante que nunca teve atrao. “Pessoas j tentaram fazer a cura gay em mim, mas no rolou. Sinal de que, realmente, s ele que me importa.”
J Edvaldo no teve outros relacionamentos longos antes de conhecer Gil. Ele diz que sempre foi gay, mas no tinha coragem de assumir. “Eu no passei junto com a banda, eu vi a banda passar”, desabafa. Com o tempo, seus irmos construram famlia e ver isso alimentou a vontade de ter filhos. Mas, na poca, era muito difcil um homem sozinho adotar uma criana. Edvaldo se tornou pai dos quatro filhos de Gil.
O casal recebe comentrios nas redes sociais dizendo que seus filhos devem ser traumatizados por terem crescido em uma famlia homoafetiva, mas Edvaldo responde que a verdade o contrrio. “O carinho dos filhos nos deu suporte para tudo. Para enfrentar a sociedade, enfrentar a famlia.” Apesar dos comentrios maldosos, a maioria dos seguidores do casal os enxergam como uma inspirao. E Edvaldo e Gildivan buscam, justamente, mostrar que um relacionamento entre dois homens tambm pode ter muito carinho, muito amor e muito cuidado.
“A homossexualidade masculina sempre foi vista como depravao, somente sexo e promiscuidade. A gente vem mostrar nas redes sociais que isso no regra. Ns temos uma famlia que no diferente da famlia de ningum. Nosso amor no diferente do amor de ningum”, diz Edvaldo.

P de Presena
“Intensos.” assim que se definem a professora Maria Flor, de 24, e o programador Renan Cleyson, de 20. O casal, que se conheceu em um aplicativo de relacionamento, est junto h 11 meses. Foram trs meses de “pegao” at notarem que algo estava acontecendo entre os dois. Quando perceberam, os dois estavam morando juntos, j que Renan passava semanas na casa da Maria. “Hoje em dia, estamos construindo nossa pequena familiazinha”, diz Maria. Essa famlia envolve os dois, a me de Maria, que mora junto deles, “dois cachorros e uma samambaia”.
Maria mulher trans e bissexual. Renan cisgnero e heterossexual. Ele o primeiro namorado dela aps algum tempo se relacionando com mulheres. Entre as caractersticas que a fizeram se apaixonar, Maria aponta que Renan muito carinhoso, amoroso e fofo. “Ele est comigo nas horas mais fceis e tambm nas horas mais difceis.”
J Renan enxerga em Maria uma mulher forte e convicta. Ele conta que, enquanto Maria teve que amadurecer muito rpido, eles se conheceram num momento em que ele estava sendo introduzido na vida adulta. “Conhecer a Maria foi um baque muito forte, de pensar num corpo que pode ser muito mais marginalizado que o meu. Isso me fez repensar sobre muitas coisas. Foi uma forma de me construir com relao minha famlia, minha prpria vida. Aprendi a construir amor.”
O processo de unio do casal no foi fcil, principalmente com relao famlia de Renan, que ainda coloca barreiras na aceitao do casal. “Quando eu conheci a Maria, eu tinha entendido que se a gente aprofundasse numa relao, teria toda essa questo de conversar com a minha famlia e ver como eles iriam reagir.”
Renan comenta que sentia “se assumindo htero” e que outras pessoas exigiam uma reafirmao da sua sexualidade, pelos comentrios que ouvia por se relacionar com uma mulher trans. “Eu no sentia medo, mas sabia que tinha que tomar cuidados com minhas decises para no perder as conexes que eu tinha com a minha famlia”, afirma.
O apoio e compreenso da Maria foi fundamental nesse processo. Em quase um ano juntos, os dois perceberam que se manterem presentes na vida um do outro alimenta a unio. Para Maria, so nas pequenas aes do dia a dia que o casal se fortalece. “Quando eu chego cansada do trabalho e tem um cafezinho pronto feito por ele, a coisa mais fofa do mundo.”
Hoje, os dois so a famlia um do outro e esperam, daqui a alguns anos, estar com a famlia maior, com algumas crianas “catarrentas”. “Ns temos esse apoio um do outro, que toda famlia deveria dar em tudo. Em novos comeos, em carreiras, em coisas da cabea, em questes do corao”, afirma Maria.

R de Respeito
O desejo de ajudar o prximo uniu a jornalista Nathlia Farnetti, de 22 anos, e Rodrigo Soares, de 30. Ela uma mulher bissexual e ele um homem heterossexual. Eles se conheceram enquanto faziam trabalho voluntrio na Amigos de Minas, organizao no governamental (ONG) que ajuda famlias em situao social vulnervel no norte do estado. “Quem conhece, sabe que no existe Nathlia e Rodrigo sem a ONG. o plano de fundo do nosso relacionamento”, revela Nath.
O casal est junto h 3 anos e continua atuando na Amigo de Minas. O apoio mtuo fundamental para se manterem nas aes. “Ele j fazia parte da ONG quando eu entrei. Mas a gente s foi se conhecer meses depois, quando eu fui para uma viagem para fazer trabalho voluntrio”, disse Nath. “Depois de um tempo, a gente j tava namorando”, contou a jornalista rindo.
O pedido de namoro aconteceu em um evento da organizao. “O trabalho voluntrio uma das coisas que mais nos unem”, diz Nath. Com muita emoo, a jornalista revela que o companheirismo de Rodrigo sempre a deixa apaixonada: “O que eu mais gosto no Rodrigo que ele uma pessoa muito disposta para tudo. O que precisar dele, ele estar l para te ajudar e te apoiar. Ele muito companheiro”, diz.
J Rodrigo diz que Nath muito “acolhedora”. “Ela gosta de ajudar o prximo. E eu acho que isso deu muito certo por isso”, disse. “Ela sempre respeita os outros, independentemente de orientao sexual e identidade de gnero”. A jornalista conta que sua orientao sexual nunca foi um ponto de conflito no relacionamento. “Pelo contrrio, ele sempre me respeitou muito.” Ela revela que, diferentemente de relacionamentos passados, nunca sofreu bifobia no namoro com Rodrigo. “Antes, eu sentia que eu era hipersexualizada por tambm gostar de mulher. Eu tinha at receio de isso ser uma questo no meu namoro”, desabafa.
A comemorao do Dia dos Namorados no poderia ser diferente: o casal vai trabalhar em uma ao da ONG durante o fim de semana. “Estaremos no trabalho voluntrio.” Para ajudar o trabalho da Amigos de Minas, basta fazer uma doao monetria ou de produtos alimentcios, higinicos e de limpeza. Entre em contato com a ONG no site ou nas redes sociais.

A de Apoio
Como muitos casais, Rafael Luiz, advogado, de 36 anos, e Thalles Damasceno, publicitrio, de 34, se conheceram em um aplicativo, em 2020. Antes do primeiro encontro, vieram muitas conversas on-line. At que decidiram se ver pessoalmente, na casa de Thalles. “Havia um receio a mais com os cuidados que a outra pessoa estava tomando, de combinar isolamentos para se ver. Alm disso, no havia vida social. Bares e restaurantes, cinemas, espetculos. Tnhamos poucas opes e, mesmo assim, havia o medo de locais com pblico, ento nos encontrvamos basicamente na casa de um e de outro”, afirma Rafael.
O jantar feito por Thalles conquistou Rafael e, desde ento, os encontros ficaram mais frequentes at que, em outubro daquele ano, decidiram oficializar o namoro. Para eles, a pandemia fez com que o processo de conhecimento acelerasse e fizessem um relacionamento melhor. “Eu sou uma pessoa de vida social agitada, mas isso ficou pausado nesse perodo. Ento, eu tive muito tempo pra me dedicar ao relacionamento e com isso ns conseguimos construir muita intimidade mais rpido”, destaca Rafael.
Thalles tambm conta que acabou ficando mais caseiro e pde se dedicar mais ao parceiro. “Aprendemos a nos conhecer mais, j que as nicas opes eram TV e casa. Mas foi e est sendo um relacionamento saudvel, tivemos poucos conflitos e brigas nesses quase dois anos de relacionamento, consigo contar em uma mo quantos atritos tivemos”, conta. E deu tudo to certo, que os dois j moram juntos. “Acho que a pandemia, por um lado, ajudou ou juntou esse relacionamento. Acho que se no fosse ela, no nos conheceramos to bem e sem grandes conflitos”, analisa.