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Mesmo tendo sido considerada inicialmente como doença exclusiva de determinados grupos vulneráveis, as mulheres sempre estiveram envolvidas na luta contra a aids, defendendo e reivindicando direitos daqueles que viviam e foram afetados pelo HIV.
Em homenagem àquelas que contribuem para a luta contra o HIV no Brasil e no mundo, a Agência de Notícias da Aids homenageia, nesta reportagem, as mulheres Telva Barros, Micaela Cyrino e Renata Carvalho.
Pioneirismo no Brasil
Boa parte da história de vida profissional da socióloga Telva Barros é entrelaçada com a resposta ao HIV no Brasil. Ela foi uma das primeiras funcionárias do Unaids no país, e já estava envolvida com o tema desde os anos 80, quando a epidemia de aids estava em seu início. Hoje, aposentada, ela mantém sua convicção mais forte do que nunca sobre o papel fundamental da ONU para a paz e os direitos humanos.
A ligação de Telva com a resposta à aids surgiu indiretamente, em meados dos anos 80, quando começou a trabalhar em uma autarquia do governo do estado de São Paulo dedicada à prevenção às drogas, o Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo (Imesc). Isto coincidiu com o início da epidemia de aids, que trazia também o risco de infeção por HIV para pessoas que usavam drogas injetáveis.
Desde 1996, quando ouviu falar da criação do Unaids, Telva aspirava a trabalhar no programa. A oportunidade chegou em 2000, quando a representação foi aberta no país. “No começo o Unaids não tinha escritório próprio e meu primeiro espaço de trabalho foi uma mesa na Unesco, que liderava o grupo temático de HIV/aids. E ali estava eu entrando naquele mundo ONU. Com o tempo, a equipe foi crescendo e depois de três anos já tínhamos nosso escritório próprio”, relembra.
A experiência de Telva não se limitou ao Brasil. Ela foi diretora do Unaids em Moçambique por dois anos. Em seguida, foi para o Escritório Regional do Unaids para América Latina e Caribe, onde ficou por três anos e teve a oportunidade de conhecer em profundidade a realidade da região como um todo. Veio, então, o momento da aposentadoria, em 2009, quando saiu do Unaids, mas continuou trabalhando em consultorias por algum tempo com o tema de HIV/aids.
Uma vida lutando por direitos
“Eu nasci com HIV, então não existe uma data de descoberta, eu sempre soube que eu vivia com HIV”, conta a artista plástica e ativista Micaela Cyrino. “E eu morei num abrigo para crianças com HIV, então era um assunto totalmente inserido no meu convívio.”
A mãe de Micaela morreu de causas relacionadas à aids quando a menina tinha apenas seis anos. Desde então e até os 18 anos, ela viveu no abrigo. “Quando eu era criança, já fazia o tratamento, era tudo explicado. Eu sempre soube que tinha alguma coisa que precisava cuidar, ia ao médico uma vez por mês”, lembra. “Mas eu comecei a falar sobre viver com HIV na adolescência, com 13 anos, justamente porque eu não conseguia entender por que eu não podia falar sobre HIV em alguns lugares.”
Micaela conta que no começo ouvia indiretas sobre o fato de falar “com orgulho sobre o HIV”. Não era orgulho, explica ela. “Mas sim o fato de eu falar sobre algo que eu vivo, de uma realidade que eu vivo. Já fui muito questionada nesse sentido, sobre qual a necessidade disso. Mas eu tenho certeza dessa necessidade.”
Ao longo dos anos, Micaela conheceu as diferentes nuances do estigma e da discriminação. A artista plástica diz que sofre muito mais preconceito por ser mulher e negra. “Até porque minha pele é a primeira coisa que as pessoas veem e para saber minha sorologia eu preciso falar sobre ela”, diz. “Hoje em dia eu não sofro de sorofobia porque acho que o meu entendimento e o meu acesso impossibilitam os preconceitos de chegarem até mim. Mas todas as experiências de preconceito que eu tive com o HIV não são nem um terço da experiência que tive com racismo. Porque eu sofro com o racismo diariamente.”
Essas vivências negativas, no entanto, impulsionaram Micaela. Atualmente ela integra o Coletivo Amem, formado por artistas negras e negros LGBT. Neste ano, ela apresentou a performance A Cura, sobre corpos negros femininos e a epidemia de aids, no qual chama a atenção para o avanço da doença entre os negros. “A população que mais morre em decorrência da aids é a população negra. Há um silenciamento sobre o assunto, mas não podemos deixar de dizer que a aids é um viés do genocídio da população negra.”
Disrupção Artística
Renata Carvalho é atriz, diretora, dramaturga e transpóloga. Graduanda em Ciências Sociais. Fundadora do Monart (Movimento Nacional de Artistas Trans), do “Manifesto Representatividade Trans” (que visa a inclusão de corpos travestis/trans nos espaços de criação de arte e pede uma pausa na prática do Trans Fake – artistas cisgêneros que interpretam personagens trans/travesti).
Como transpóloga (uma antropóloga trans), estuda o corpo travesti/trans desde 2007, quando torna-se agente de prevenção voluntária em ISTs, HIV/Aids, tuberculose e hepatites pela secretária municipal de saúde de Santos, trabalhando especificamente com travestis e transexuais na prostituição, mesmo ano do seu percebimento travesti.
Esta transpologia aponta a construção social, midiática, criminal, hiper sexualizante, patológica, religiosa e moral que permeiam corpos trans/travestis, onde a arte, e consequentemente, os artistas também foram/são responsáveis na construção desse imagético do senso comum.
A artista coloca seu corpo travesti como sujeito e objeto de pesquisa, debatendo/denunciando a ausência desses corpos nos espaços de arte.
Dica de Entrevista
Micaela Cyrino
E-mail: micaelacyrino@gmail.com
Renata Carvalho
Instagram: @renatacarvalhooficial