Cela em chamas, guardas feridas e tensão nas prisões. O estranho caso da reclusa transexual que gerou o pânico por onde passou

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Estabelecimento Prisional feminino de Santa Cruz do Bispo, onde Raquel esteve depois da mudança de género

Octavio Passos/Observador

Ministra da Justiça falou sobre o caso no Parlamento: "Está a ser avaliado". Enquanto a tutela esperava "saber" o desfecho, a reclusa voltou a Tires, inundou uma casa de banho e defecou na cela

Frederico Morais, presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional fala aos jornalistas após a reunião com a ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice (ausente da fotografia), no âmbito da audição da ministra às diversas estruturas sindicais representantes dos oficiais de Justiça e dos guardas prisionais, no Ministério da Justiça, em Lisboa, 03 maio 2024. MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Frederico Morais, presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Estabelecimento prisional feminino de Santa Cruz do Bispo, Matosinhos, 31 de janeiro de 2019. JOSÉ COELHO/LUSA

Estabelecimento prisional feminino de Santa Cruz do Bispo, em Matosinhos

JOSÉ COELHO/LUSA

“Tínhamos uma rapariga transgénero que nunca quis mudar o órgão sexual, mas tinha uma atitude diferente. Nunca nos causou problemas destes", conta uma fonte prisional ao Observador. Desde 2022, guardas são obrigados a perguntar aos reclusos transexuais se preferem ser revistados por um homem ou uma mulher

"Tem tanta força que conseguiu pegar no guarda e atirou-o contra uma parede duas vezes”, disse uma fonte prisional citada pelo Correio da Manhã. Forte pressão das guardas levou Raquel para outra prisão, mas sindicato defendia outra opção: Monsanto — a prisão mais segura de Portugal

Estabelecimento prisional feminino de Santa Cruz do Bispo

Reclusas de Santa Cruz do Bispo denunciaram relações sexuais entre Raquel e outras prisioneiras. Guardas não conseguiram confirmar

JOSÉ COELHO/LUSA

Mas essa não foi a decisão inicial da Direção-geral de Resinserção e Serviços Prisionais. Antes, Raquel foi levada novamente para Tires, numa transferência que aconteceu há cerca de três semanas, mesmo contra as recomendações de guardas prisionais que apontavam Monsanto como a melhor opção. Na nova prisão, Raquel (que, entretanto, já teria manifestado a intenção de voltar a ser homem) ficou alojada na ‘Casa da Mães’, um setor com três alas: uma zona de admissões, onde as reclusas ficam cerca de sete dias antes de serem inseridas com a restante população prisional; uma segunda ala, no meio, para mães que estão na prisão com os filhos; e, por último, uma ala para pessoas vulneráveis — mulheres mais velhas ou com a saúde mais debilitada.

Raquel ficou nessa zona de admissões, onde tinha uma vida bastante isolada. “É uma zona onde as reclusas, conforme chegam a Tires, ficam por um período de sete dias [em avaliação], para depois sabermos se temos que ter alguma medida especial ou se pode ser integrada”, contou uma fonte prisional ao Observador. Por ficar num espaço mais resguardado, a população prisional não teve grande oportunidade de reagir a esta entrada.

A DGRSP não o confirmou ao Observador, mas terá sido por não quererem a reclusa a contactar com outras mulheres que a deixaram naquele espaço. “Talvez pela sua condição e também porque ela não tem demonstrado o melhor comportamento”, considera outra fonte.

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No novo estabelecimento prisional, Raquel começou a demonstrar alguns comportamentos “ansiosos”, novamente com ameaças aos guardas prisionais — que estes entendem que se devia ao facto de continuar isolada das restantes reclusas. Em Tires, como em Santa Cruz do Bispo, a reclusa foi tendo o normal acompanhamento psicológico que é dado aos prisioneiros, mas continuou sem fazer o tratamento hormonal, como fazem, também em Tires, outras duas reclusas transgénero.

Na Casa das Mães, Raquel passou as últimas três semanas com privacidade total: o tempo de recreio é isolado e a cela tem casa de banho, o que lhe permite fazer a higiene pessoal sem contactar com outras reclusas. “Ela só pode ter contacto verbal através da janela, porque está voltada para o recreio”, explica uma fonte conhecedora da prisão.

As fontes prisionais ouvidas pelo Observador acreditam que uma das razões para a revolta da reclusa pode estar relacionada com a intenção de reverter o processo de mudança de género; mas há quem avance outra explicação: a indignação pode dever-se ao facto de Raquel estar isolada do resto da comunidade prisional há algum tempo. Depois de duas greves de fome, as ameaças voltaram a concretizar-se no episódio da última segunda-feira. Pelas 11h40, com recurso a um isqueiro, a reclusa pegou fogo ao colchão da cela e a outros pertences, num ato que as guardas acreditam ter sido premeditado.

Reclusas costumam ficar sete dias na zona de admissões da "Casa das Mães", em Tires. Raquel ficou quase três semanas

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

"A pessoa em causa mostrou algumas preocupações de saúde e está a ser tratada. Temos que tratar com dignidade todos os que acolhemos e esta situação está a ser acautelada também cuidando de quem lá está. O comportamento afeta não só o próprio, como pode pôr em risco os demais”, disse a ministra da Justiça

Depois de ter incendiando uma cela, Raquel acabou por voltar a Tires, apesar da contestação do sindicato da guarda prisional

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

O diretor-geral da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, Orlando Carvalho, intervém durante a sua tomada de posse no cargo no Ministério da Justiça em Lisboa, 26 de novembro de 2024. FILIPE AMORIM/LUSA

O diretor-geral da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, Orlando Carvalho

FILIPE AMORIM/LUSA

Processo de mudança de género de reclusos obedece a uma série de regras definidas em 2022. Vários passos contemplam o preenchimento de um formulário com perguntas como: "Com que género se identifica?"; "que nome usa (...) e qual o nome pelo quas quer ser tratada?"; "já realizou uma mudança de nome legal?"; "já realizou algum tipo de Cirurgia de Redesignação Sexual (CRS)?"

Um guarda prisional observa a atuação de reclusos durante uma formação teatral do Teatro Experimental de Cascais (TEC), no Estabelecimento Prisional do Linhó, em Sintra, 28 de novembro de 2024. (ACOMPANHA TEXTO DO DIA 21 DE DEZEMBRO DE 2024) ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

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