BBB22: Choro de Lina após beijo mostra realidade cruel sobre ser trans no Brasil - Yahoo Vida e Estilo

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Lina fala sobre preconceito e transfobia no BBB22 (Reprodução Globoplay)

Lina fala sobre preconceito e transfobia no BBB22 (Reprodução Globoplay)

Durante a festa Boteco do "BBB22", Lina e Maria protagonizaram um momento de afeto e liberdade para o Brasil todo ver: as duas amigas deram um beijo longo e intenso, que foi aplaudido pelos brothers e se repetiu várias vezes durante a comemoração. Outros momentos de carinho e sensualidade também rolaram entre Maria e Eliezer, e foram compartilhados sem trégua durante o fim de semana nas redes sociais.

Pouco depois do beijo, Lina imediatamente sentiu a rejeição que poderia sofrer fora da casa, e chorou ao lado de Naiara e e Maria. "Existem muitas fanfics sobre o corpo trans. Tenho medo de ser odiada pelo Brasil", desabafou ela. Naiara e Maria tentaram consolar a sister com discursos generalistas sobre superação e autenticidade, mas a verdade é que a fala dolorosa de Lina é um espelho da realidade fora da casa: corpos trans são hipersexualizados e consumidos como pornografia, mas não encontram representatividade nas esferas políticas, educacionais, sociais e no mercado de trabalho. O Brasil transfóbico quer ver as travestis escondidas nas sombras, e Lina sabe o impacto que a cena pode ter no imaginário homofóbico e intolerante do país.

O Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTQIA+, especialmente mulheres pessoas trans, de acordo com dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA). Em 2020, foram 175 pessoas trans assassinadas, sem contar o número de crimes não declarados.

De forma contraditória, é o lugar onde mais se consome pornografia deste grupo. Lina tem razão em temer a reação da sociedade: enquanto os demais brothers da casa, todos cisgêneros, se preocupam com seus sonhos a longo prazo, uma travesti como Lina tem expectativa de menos de 35 anos no Brasil (um homem cis e branco como Arthur Aguiar, por exemplo, tem expectativa média de 76 anos de vida). De acordo com dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), 90% da população trans está em situação de prostituição.

Para uma pessoa trans, sonhar é um luxo, amar é uma transgressão, e Lina sabe que sua presença no BBB não soluciona magicamente o histórico de apagamento e violência com o qual sofreu durante toda a sua vida.

"Eu sou o fracasso de tudo que esperavam que eu fosse"

"Eu não sou só cantora, não sou só atriz, sou filha da dona Lílian, alagoana. Estou aqui por ela. Quero uma casa pra gente. Sou chorona, canceriana com ascendente em aquário. Sou determinada, corajosa, mas sou muito medrosa. Complexa, contraditória, trabalho com a falha. Sou o fracasso de tudo aquilo que esperavam que eu fosse. não sou homem nem mulher, sou travesti". Foi com esse discurso que Lina entrou no BBB22, mas esse momento emocionante não impediu que a sister sofresse vários episódios cruéis de transfobia em suas primeiras horas na casa.

Em menos de 24 horas da chegada de Lina no "BBB 22", a cantora sofreu com ataques por parte de Rodrigo e Eslovênia.

A primeira situação aconteceu durante o almoço. Linn pediu ajuda para pegar a pimenta e Eslovênia falou para outro brother entregar para "ele". Rapidamente, a atriz, que tem o pronome feminino tatuado na testa, corrigiu a colega de confinamento: "É ela", afirmou, com paciência. Sem graça, Eslovênia repercutiu o caso com Lucas assim que deixou a mesa. Vale lembrar que Eslovênia não se desculpou, e repetiu o ato mais uma vez sem parecer se importar com os sentimentos da colega de confinamento.

Rodrigo também teve uma fala transfóbica. Após Eliezer contar uma de suas experiências sexuais, o gerente comercial fez o seguinte comentário: "Eli, estou tentando dormir, mas tô lembrando do pinto do 'traveco' que você ficou com medo". Vinícius estava no quarto e rapidamente o corrigiu: "Traveco, não", disse o jovem. "Isso não foi legal", completou Maria.

Mesmo com o pronome "Ela" tatuado literalmente em sua testa, Lina simplesmente não consegue fazer com que os brothers não reproduzam transfobia e violência contra ela. A diferença da experiência de uma pessoa trans para uma pessoa cisgênero dentro do programa é clara: nas redes sociais de brothers cis (e brancos, vale lembrar) como Pedro Scooby, Arthur Aguiar, Eslovênia e Laís, por exemplo, os administradores dos perfis postam sobre jogo, falas relevantes, estratégias e momentos divertidos dos confinados. Nas redes sociais de Lina, as administradoras precisam a todo momento responder ataques de transfobia, racismo e explicar de forma didática questões de sexualidade, gênero e opressão que a branquitude tem obrigação de aprender sem trazer mais um fardo para pessoas fora do padrão normativo.

Foi exatamente o que o Scooby fez comigo em 2019 em Milão. Fez um facetime pro irmão dele e veio falar, tô com 3 traveco aqui. E na mesma hora eu falei: traveco não, eu sou uma mulher você me respeita. Claro que essa gracinha ele só fazia quando a Patroa tava dando entrevista pic.twitter.com/7W97F5gnXT

— Ariadna Arantes 🐆 (@ARIADNALIVE) January 21, 2022

Em matéria sobre a importância de Lina no "BBB22", a pedagoga e mestranda em educação pela USP Maria Clara Araújo dos Passos fala sobre o que a presença da cantora pode fazer pela representatividade em rede nacional. "A entrada de Lina no reality traz para os lares de milhões de brasileiros a possibilidade de ver uma travesti em sua complexidade humana". Essa exposição, entretanto, tem um preço altíssimo, e não é justo que pessoas trans sofram violência enquanto o brasileiro consome tudo como entretenimento.

A transfobia é um câncer brasileiro. O desrespeito e a desumanização foi pedagogizado no Brasil. Não há característica secundária ou "ela" tatuado na testa que dê conta do respeito ao pronome quando se trata de pessoas trans e travestis.

Eslovenia foi mediocre! #BBB22 https://t.co/MxNnMrXYAi

— jarda 🧜🏽‍♀️ (@dearaujojarda) January 20, 2022

Bifobia e sexualidade x gênero

O choro de Lina também passa por outra camada importante a respeito de sexualidade e identificação de gênero no Brasil. A sister ficou com Maria, que é bissexual, e a bifobia no Brasil é uma realidade extremamente presente: é comum no imaginário popular a figura da pessoa bissexual vista como "indecisa", como se atração por pessoas de mais de um gênero fosse algo inadmissível. Cenas lésbicas também são recorde de visualizações em sites de pornografia para heteros, transformando a sexualidade de mulheres não-normativas em fetiche para consumo patriarcal. 

Quando Lina fala sobre as fanfics sobre a sexualidade da pessoa trans no Brasil, ela se refere à confusão comum entre orientação sexual (que diz respeito à atração e desejo sexual de uma pessoal) e identidade de gênero, que diz respeito à identificação daquela pessoa com o gênero que lhe foi atribuído no nascimento. A transexualidade (que pode ser uma mulher trans, homem trans ou pessoa não binária, por exemplo) não tem nada a ver com sexualidade e atração, e as duas esferas não devem ser confundidas.

Em seu choro no BBB, Lina tem medo porque sabe que seu beijo em Maria cai em várias categorias de preconceito: se ela é uma mulher trans, ela não deveria ser hetero? Ela beijar Maria significa que ela é na verdade um "homem"? Ou ela seria uma "mulher lésbica"? Esses questionamentos preconceituosos mostram como é urgente a discussão responsável sobre pessoas trans em rede nacional, e, assim como a branquitude é responsável pelo problema do racismo, são as pessoas cis que precisam resolver os preconceitos que criaram. Lina merece curtir em paz o BBB22, e viver uma vida longe dos pronomes trocados e choros dolorosos pelo preconceito alheio.

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