Atriz transgênero Milena Gerassi, de 15 anos, fala de estreia em filme com Andréa Beltrão: 'Símbolo de vitória'

9 months ago 287
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Estudante do Ensino Médio, Milena Gerassi jamais imaginaria que sua vida daria um giro de 360 graus ao ser chamada para fazer um papel no cinema. A adolescente transgênero de 15 anos protagoniza o longa-metragem Avenida Beira-Mar, de Maju de Paiva e Bernardo Florim, exibido por três semanas nos cinemas e vencedor de prêmios de roteiro e em honra ao tema LGBTQIAP+. Estar neste lugar, como atriz trans em um filme grande, ao lado de estrelas como Andréa Beltrão, Isabel Teixeira, Analu Prestes e Emiliano Queiroz, faz Milena celebrar uma vitória pela representatividade de tantas meninas que sofrem Brasil afora.

Antes de sair de férias com a turma da escola, dias após a formatura, Milena falou a Quem sobre a experiência vivida com o lançamento do filme, uma maratona de entrevistas, pré-estreias, discursos e troféus, um deles, especificamente para ela, uma Menção Honrosa pela Representatividade Trans no Cinema Nacional, dado pelo 32º Festival Mix Brasil. No dia 24 de janeiro, o filme estreia no streaming Telecine e dia 29 no canal.

 Claudio Andrade Milena Pinheiro, Andrea Beltrão e Milena Gerassi na estreia do filme — Foto: Claudio Andrade

O que mudou na sua vida depois de Avenida Beira-Mar?
Acho que Avenida Beira-Mar foi tão maravilhoso comigo que consegui mudar tudo na minha vida. Alterou o que eu quero ser e representar no futuro; teve a capacidade de mudar muitos conceitos que tinha dentro de mim; e trouxe novos caminhos e visibilidade, me dando o que eu mais queria: um palco no cinema nacional com uma adolescente/criança trans existindo! Pode parecer pouco esta existência num lugar tão grande como o cinema mas não é, é um símbolo de vitória da luta tão grande e violenta contra todas nós! Então, se você me perguntar o que Avenida Beira-Mar mudou em mim, vou dizer que mudou quem eu sou como uma adolescente/criança trans no Brasil.

No que a Milena é diferente da Mika, sua personagem? Foi difícil pra você estabelecer a separação?De diferente, eu diria que a parte que mais me separa da Mika é esse preconceito dos pais, pois eu recebi todo acolhimento e respeito dos meus pais, diferente da Mika, que por conta dos pais ficarem confusos e não saberem como amá-la e não entender que, ainda assim, a Mika é filha deles, sem dúvidas é a parte que me distancia dela, pois temos histórias diferentes. Eu não diria que foi difícil, acho que desafiador, porque é claro que temos aquela dificuldade de se entrelaçar ao personagem, às vezes, mas, para mim, vejo como um desafio, pois usei as fraquezas e forças da Mika para replicar em mim. Foi um desafio me colocar no papel de muitas que estão por aí nas ruas fragilizadas e expostas, então, por exemplo, num momento em que ela estava triste no roteiro, eu tinha que entender tudo que ela tinha passado antes daquele momento, todas as condições e situações que tinham levado naquela consequência como o preconceito, a rejeição e tudo mais, então, para me conectar com ela foi o processo de entender as dores, as felicidades que a fazia se sentir completa, o porquê de o patins significar tanto pra ela e muito mais.

 Felipe França Milena Gerassi e os pais, Jefferson e Andréia — Foto: Felipe França
 Felipe França Milena Gerassi com a família: o pai, Jefferson; a mãe, Andrea; e as irmãs Marcela e Milena — Foto: Felipe França

O que significa levar aos cinemas um tema tão delicado como a infância trans? Qual a importância disso?
Vitória, é uma vitória estar levando esse tema, que, muito além de tema, são vidas que são vistas como inexistentes, muitas por aí tiveram que passar por tanto e fazer tanto para que eu estivesse aqui, é uma vitória grande e significativa que, claro, agradeço muito pelo Bernardo e pela Maju terem a sensibilidade de me enxergarem, dando para mim um espaço no cinema e na luta pelos nossos espaços serem cada vez mais conquistados e nossas vidas serem cada vez mais vistas!

Quais cenas você acha mais marcantes?
De marcante, para mim, é, sem dúvidas, a dança da Mika, particularmente é o momento em que, conforme a música na voz da Gal Costa vem dominando a sala do cinema e ela começa a dançar, meu coração acelera e não consigo para de sorrir! Amo a cena da Mika com o Mário, que aquece o coração num nível além. E outra que também acho muito necessária ganhar mais visibilidade é a cena que, no momento da conversa entre Viviane e Marta, a mãe da mika ( Viviane ) fala que ela tem medo do que o mundo possa fazer com sua criança. Para mim, é o que muitos pais sentem. Para tentar preservar sua criança, os pais acabam trazendo esse preconceito do mundo para casa sem nem perceber. É importante que todos os pais vejam este filme para verem que somos trans, sim, mas isso em momento algum vai mudar quem nós somos como seus filhos.

 Felipe França Milena Gerassi — Foto: Felipe França

O que o público pode esperar?
O público pode esperar cenas que mostram o preconceito em suas formas mais violentas e brutas e também todo o acolhimento e carinho que um brinco pode trazer a uma menina trans. Devem esperar a magia da infância sendo colocada como co-protagonista junto ao preconceito na vida da criança. Esperem de tudo e assistam com carinho para conseguirem assistir a tudo.

O que Andréia Beltrão, Isabel Teixeira, Analu Prestes e Emiliano Queiroz ensinaram a você no set? Como foi a convivência com ícones da dramaturgia?
Se eu for enumerar tudo, a lista vai ficar longa, mas eles me ensinaram tanto, só de poder atuar ao lado deles já era um ensinamento. A Andréa tem uma polidez em sua atuação que, ao vivo, é de ficar abismado; a Isabel transborda sentimentos no momento de atuar, que, quando atua, fazendo uma cena com raiva, eu particularmente achava que ela estava com raiva de mim mesma; a Analu mostrou uma precisão na personagem e no que ela estava sentindo que era muito bonito de se ver; e o senhor Emiliano, o que falar do senhor Emiliano… Ele é extraordinário. Seu último trabalho foi Avenida Beira-Mar e, ainda assim, manteve sua atuação no mesmo nível de antes, ele era fenomenal, minha cena com ele marcou minha alma! Então, todos me ensinaram maneiras diferentes de fazer a arte da atuação com as suas próprias técnicas, conversar com eles era incrível. Eles me acolheram muito bem, já que Avenida Beira-Mar foi o meu primeiro trabalho e comecei com o pé direito sendo extremamente privilegiada de fazer arte ao lado dessas lendas.

O que pretende fazer após Avenida Beira-Mar? Já tem algum projeto em vista?
Pretendo estudar, quero estudar o teatro e o cinema, estudar a atuação, esta arte que me apaixonei de corpo e alma, quero me aprofundar e me profissionalizar mais ainda e, claro, lutar mais ainda para termos cada vez mais pessoas trans de todas as idades ocupando os espaços que quiserem sendo elas mesmas! Projetos agora estão vindo, pois já tenho meu primeiro material como profissional, então, é agora que o trem começa a andar.

Assista ao trailer do filme:

 Felipe França Milena Gerassi — Foto: Felipe França
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