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Em novembro do ano passado, a travesti apareceria publicamente como Fernanda em uma coletiva de imprensa da Polícia Civil em Juiz de Fora.
Segundo a investigadora, de 33 anos, embora vítima de olhares desconfiados em alguns momentos, a reação dos colegas policiais e das pessoas com quem lida diariamente na Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM) é positiva.
A aceitação da família e a formação em artes cênicas também são pilares para o processo de transição. Dos palcos, inclusive, veio o pontapé para a autoidentificação, após interpretar uma travesti em uma peça de teatro.
Aos 18 anos, Fernanda, natural de Inhapim, no Vale do Aço, seria aprovada no curso de artes cênicas da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
No mesmo ano, passou no concurso público para investigadora da Polícia Civil, conciliando faculdade com trabalho. “Fiz o primeiro período da faculdade e logo depois a polícia chamou. Fui para a academia de polícia e voltei para Ouro Preto. Trabalhava de dia e estudava à noite”.
Após chegar na cidade histórica, veio a coragem em se assumir gay. “Foi nessa época que saí do armário e falei para minha família”, contou.
Seis anos depois, uma peça de teatro, já em Juiz de Fora, cidade onde reside atualmente, mudaria novamente a relação com a sexualidade.
Personagem interpretada na peça 'Paraíso' fez Fernanda se ver como travesti — Foto: Fernanda Aleixo/Arquivo Pessoal
“Mesmo com quatro anos de terapia, eu falava que eu não conseguia entender a minha ansiedade, que não cessava. Tentava interpretar, mas não ia. Então, em 2018, fiz uma peça de teatro, com o pessoal do OAndarDeBaixo. Nessa peça eu era uma travesti de cabaré, de barba e cabelo curto. Pedi uma amiga para gravar o ensaio, onde eu dublava uma música da Christina Aguilera. À noite, assisti ao vídeo e vi. Descobri a minha travesti interna”.
O desafio diário da profissão
O g1 solicitou à Polícia Civil informações a respeito de profissionais da corporação que se assumem LGTBQIA+, mas não obteve resposta.
Fernanda Aleixo em entrevista à TV Integração, em Juiz de Fora — Foto: Reprodução/TV Integração
Em um meio ainda predominantemente masculino, o inusitado fato de ser uma investigadora travesti, de batom, brincos e outros acessórios femininos, chama atenção. Os olhares curiosos — e por vezes preconceituosos — não são incomuns.
No entanto, em equipe de trabalho, ela se diz segura e aceita.
“Tenho um amigo da polícia que é gay, que estava com meias rosas, e foi chamado de viado em uma operação, mas comigo isso nunca aconteceu”.
Segundo a investigadora, parte da confiança em se assumir, além do lado psicológico que vem sendo trabalhado ano a ano na terapia, tem a ver com o apoio que recebe.
Ainda segundo Fernanda, a independência financeira e o teatro facilitaram todo o processo.
“Desde que passei no concurso, eu me banco. Mesmo que a família que apoie, essa independência me facilitou. Sem falar na faculdade de artes cênicas, que mudou a minha vida. O ambiente de arte, de música, de teatro, de performance. A arte ajuda muito. Faz você encontrar pessoas à frente do tempo. Sou de uma cidade que o teatro era de escola”.
Peso do passado e passos para o futuro
Mesmo em um processo de autoconhecimento constante, a investigadora ainda carrega alguns pesos do passado. “Sempre fui uma criança afeminada, que sofria na escola. Quando entrei na adolescência, passei a me apresentar socialmente de outra forma por muitos e muitos anos para me adequar e para ninguém ficar me chamando de nada. E isso ainda tem um peso em mim”.
Fernanda Aleixo é investigadora da Polícia Civil em Juiz de Fora — Foto: Fernanda Aleixo/Arquivo Pessoal
O bom humor e a paz consigo mesma são, conforme ela, itens necessários para os desafios diários:
Sem ficar presa aos rótulos, o riso vem até mesmo na hora de dizer como prefere ser chamada. “As pessoas ficam na dúvida se me chamam de ele ou ela. Às vezes eu também me perco e vou me transformando mentalmente”.