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CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Como elencados no rol de fundamentos da República, os direitos da personalidade se fundem ao princípio da dignidade da pessoa humana, já no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988, onde os direitos da personalidade são aqueles que se consideram essenciais ao indivíduo, resguardando sua dignidade, sua vida, liberdade, honra e intimidade. Se faz necessário entender que tal rol não é taxativo, pois não haveria forma de prever todas as espécies de direito, diante da pluralidade social contemporânea, onde relações tão complexas são estabelecidas, deixando tal tarefa para o intérprete das normas, ponderando valores, para a aplicação da lei (CAMARA; MELO, 2018, p. 6).
O princípio da igualdade, elencado no artigo 5º da Constituição Federal, afirma que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Para Aristóteles, em versão simples e definitiva, a igualdade é “dar tratamento desigual aos desiguais, na medida de suas desigualdades”. Cerqueira (2002) transcreve parte do discurso de Rui Barbosa, intitulado Oração aos Moços, que também retrata o sentido de igualdade, veja-se:
(...) A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem. Essa blasfêmia contra a razão e a fé, contra a civilização e a humanidade, é a filosofia da miséria, proclamada em nome dos direitos do trabalho; e, executada, não faria senão inaugurar, em vez da supremacia do trabalho, a organização da miséria (...) (CERQUEIRA, 2002, s.p.);
Há décadas, os juristas se encontram na posição de buscar meios alternativos de fazer justiça social, sem discriminação das minorias. Frisa-se aqui, que as minorias não são assim denominadas pela forma quantitativa, mas pelo status jurídico, notoriamente inferior aos demais, que são detentores do poder ou possuem algum tipo de vantagem social sobre eles, devido a fatores históricos, econômicos e culturais (CECCHIN, 2006, p. 5). A fim de abordar de forma mais segura o conceito em questão, Minhoto traz a seguinte afirmação:
Destarte, podemos, após esta breve exposição, conceituar minoria como sendo um seguimento social, cultural ou econômico vulnerável, incapaz de gerir e articular sua própria proteção e a proteção de seus interesses, objeto de pré-qualificações e pré-conceituações de cunho moral em decorrência de seu distanciamento do padrão cultural ou hegemônico, vitimados de algum modo e em graus variados de opressão social e, por tudo isso, necessitados e demandantes de especial proteção por parte do estado (MINHOTO, 2009, p. 22).
Nesta linha, entra em discussão a comunidade LGBT, que sempre fora marginalizada e invisibilizada na história mundial, tendo como amparo recente o alcance de políticas sociais voltadas para tal minoria. Entretanto, vale o entendimento de que tal comunidade é muito ampla e vulnerável, deixando algumas parcelas da comunidade em desvantagem em relação às outras. Os transexuais são uma das mais inferiorizadas parcelas da comunidade LGBT, sendo alvo da maior parte de discriminações e marginalização percebidas no Brasil e no mundo (MENDES, 2017, p. 22).
A transexualidade pode ser conceituada como uma expressão da sexualidade humana, sendo sua principal característica, o anseio de viver e ser visto como indivíduo do sexo oposto ao de seu nascimento, realizando a transformação para o gênero com o qual se identifica, encontrando, neste meio, a discriminação e a falta de tratamento legislativo. Além disso, o indivíduo transexual almeja alteração de seu prenome, sexo legal e igualdade em relações sociais em geral. Tal alteração é considerada fundamental para o alcance de sua readequação sexual, cessando assim constrangimentos pessoais e sociais, de uma pessoa que vive em um corpo que não é sua identificação civil, fazendo, portanto, com que a mudança lhe favoreça desenvolver sua personalidade e o reconhecimento social (CARDIN; BENVENUTO, 2013, p. 12).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Diante do exposto, é necessária uma abordagem jurídica em que pese a adequação entre o corpo e a psiqué com a transição, sendo que as Resoluções do Conselho Federal de Medicina têm contribuído para que seja alterada a interpretação jurisprudencial a respeito dos direitos da personalidade trans, para um olhar mais atento à dignidade da pessoa humana (ANDRADE, 2015, s.p.).
O sexo psicológico é aquele que a pessoa acredita pertencer. Muitos psicanalistas atribuem surgir com a educação atribuída na primeira infância, condicionado a um ambiente muito desfavorável para um desenvolvimento normal. Já o sexo jurídico é determinado em razão da vida civil de cada pessoa na sociedade, trazendo inúmeras consequências jurídicas. É designado por ocasião do assentamento do nascimento da criança, com base em seu sexo morfológico (CHOERI, 2001, p.234-235).
O indivíduo transexual é acometido de profundo sofrimento causado pela não identificação do corpo com a mente, associados à sua sexualidade. Sendo ainda, alvo dos maiores tipos de violência que se pode imaginar, principalmente no Brasil, veja-se:
Para traçar um perfil mais aprofundado sobre os números de assassinatos, é importante observar que, em 2019, o Brasil segue à frente no ranking mundial de assassinatos de pessoas trans no mundo, desde 2008, conforme dados internacionais da ONG Transgender Europe (TGEU), constantes neste dossiê. É importante ressaltar que a média dos anos considerados nesta pesquisa (2008 a 2019) é de 118,2 assassinatos/ano. Observando o ano de 2019, vemos que ele está 5% acima de média em números de assassinatos, mesmo com a aparente queda nos números absolutos (BENEVIDES; NOGUEIRA, 2020, p. 23).
Foram registradas ao menos 868 mortes de travestis e transexuais no Brasil nos últimos oito anos, deixando o país disparado no ranking mundial de homicídio de pessoas transgêneras. Tal dado foi publicado pela ONG Transgender Europe em novembro de 2016, mas não diminuiu com o passar dos anos, pelo contrário, tem aumentado, como mostra o gráfico acima. Não se revelando como novidade para essa parcela da sociedade que, além de minoria, fica em posição de exclusão e invisibilidade (CUNHA, s.d., s.p.).
“O Brasil, infelizmente, é o país que mais mata pessoas trans no mundo, com índices muitos mais altos do que os países que o seguem. São mortes violentas, cruéis, que muitas vezes sequer chegam a ser notificadas aos órgãos públicos ou, quando chegam, não observam a verdadeira identidade de gênero das vítimas”, relata a coordenadora do Núcleo de Defesa da Diversidade Sexual e Direito Homoafetivo da Defensoria (Nudversis), Letícia Oliveira Furtado (METRÓPOLES, 2018, s.p.).
Tal problema possui raízes mais profundas do que parece, pois, a motivação para tal crime é, muitas vezes, a percepção do agressor de que o indivíduo trans sequer é um ser humano, diante de sua marginalização pela sociedade. A negação familiar também é um ponto difícil para a população trans, pois, na maioria das vezes, são colocados para fora de seus lares, tendo ainda mais exposição e dificuldade de inserção no mercado de trabalho, se sujeitando a determinadas situações que se tornam humilhantes para sua sobrevivência (RUSSO, 2017, s.p.).
A discriminação sempre enraizada na sociedade mundo afora, começou a ser condenada por diversas organizações, inclusive internacionalmente. Começando por um questionamento que ressignifica o gênero como construção social, desapropriando-o da palavra “sexo”. Assim, como já mencionado, o ser ou não um transexual não é um ato aleatório à vontade do indivíduo, mas uma característica intrínseca (SÁ, 2015. s.p.).
É de fundamental importância que se desenvolva um campo de reflexão a respeito da transexualidade e a efetivação de seus direitos, para que haja uma efetiva ação de políticas públicas para o desenvolvimento das minorias sexuais afetadas pela marginalização e invisibilidade socioculturais presentes na sociedade (ARAN; MURTA; LIONCO, 2009, s.p.).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sabemos que nosso país possui imensidão continental quando se trata de sua geografia e que as políticas não são uniformemente aplicadas, como deveriam ser. Contudo, é de suma importância que políticas públicas sejam efetivadas para minimizar os prejuízos pelos quais passam os transexuais em todos os atos da vida civil, dos mais simples aos mais complexos.
A violência ao qual são expostos deve ser tratada como prioridade a ser exonerada, corroborando tal política com dispositivos legais que reforcem dia após dia que tais atos são recriminados pela sociedade. Sendo assim, tal tratamento discriminatório respinga na imensa restrição aos princípios fundamentais dispostos na Carta Magna, como igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana.
É dever da sociedade assumir um posicionamento mais humanizado em relação a tal parcela da sociedade que se encontra marginalizada e assassinada, cada vez mais se agravando. Ademais, é preciso preparar um cenário de segurança jurídica e social para que a população trans consiga viver em mínimas condições de dignidade humana, com seus direitos resguardados em todos os atos da vida civil.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, André Luis Morales de. Direitos e garantias fundamentais dos transexuais. In: Jusbrasil, portal eletrônico de informações, 2015. Disponível em: . Acesso em: 10 mar. 2020.
ARAN, Márcia; MURTA, Daniela; LIONCO, Tatiana. Transexualidade e saúde pública no Brasil. In: Ciênc. saúde coletiva [online], v. 14, n. 4, p.1141-1149, 2009. Disponível em: . Acesso em: 11 mar. 2020.
BENEVIDES, Bruna Gonçalves; NOGUEIRA, Sayonara Naider Bonfim (Orgs). Dossiê dos assassinatos e da violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2019. São Paulo: Expressão Popular, ANTRA, IBTE, 2020.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: . Acesso em: 09 mar. 2020.
CAMARA, Mônica de Oliveira; MELO, Rafael dos Santos. O tratamento jurídico dos transexuais no Brasil. Disponível em: . Acesso em: 09 mar. 2020.
CARDIN, Valéria Silva Galdino; BENVENUTO, Fernanda Moreira. In: Revista Acadêmica de Direito da UNIGRANRIO, v. 8, n. 2, p. 1-15, 2018. Disponível em: . Acesso em 10 mar. 2020.
CECCHIN, Airton José. Ações afirmativas: inclusão social das minorias. In: Rev. Ciências Jurídicas e Sociedade da Unipav, v. 9, n. 2, jul-dez., 2006.
CERQUEIRA, T. T. P. L. de P. Reserva de cotas para negros em Universidades: discriminação? In: Juris Sintese IOB, São Paulo, jan.-fev. 2006.
CHOERI, Raul Cleber da Silva. O conceito de identidade e redesignação sexual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
CUNHA, Thaís. Brasil lidera ranking mundial de assassinatos de transexuais. In: Correio Braziliense, portal eletrônico de informações, s.d. Disponível em: . Acesso em: 10 mar. 2020.
MENDES, Érick de Freitas. A liberdade de expressão e o direito das minorias. Disponível em: . Acesso em: 10 mar. 2020.
METRÓPOLES. Brasil tem o maior índice de pessoas mortas por transfobia. In: Metrópoles, portal eletrônico de informações, 2018. Disponível em: . Acesso em: 11 mar. 2020.
MINHOTO, Antônio Celso Baeta et al. Constituição, minorias e inclusão social. 1. Ed. São Paulo: Rideel, 2009, p.22.
RUSSO, Renan. A transfobia em questão no Brasil. Disponível em: . Acesso em: 11 mar. 2020.
SÁ, Giulianna. A transexualidade e o Direito à Identidade e Dignidade Sexual. In: Jusbrasil, portal eletrônico de informações, 2015. Disponível em: . Acesso em: 11 mar. 2020.
Autores:
*Gisele Moraes Araújo Pimentel, Graduanda do 9º período do Curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos. E-mail: giselemapimentel@gmail.com
*Tauã Lima Verdan Rangel, Professor Orientador. Pós-Doutor em Sociologia Política pela Universidade Estadual do Norte Fluminense (2019-2020; 2020-2021). Doutor e Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Coordenador do Grupo de Pesquisa “Faces e Interfaces do Direito: Sociedade, Cultura e Interdisciplinaridade no Direito” – FAMESC – Bom Jesus do Itabapoana-RJ. E-mail: taua_verdan2@hotmail.com