O tempo de espera de uma mastectomia pelo SUS pode chegar a mais de seis anos (foto: Vidal Balielo Jr.)Faz 4 anos que iniciei minha transio de gnero, e at aqui foi uma grande caminhada. Para ser mais exato, ela comeou de fato em 2018, e dei incio terapia hormonal no ambulatrio trans, no Hospital Eduardo de Menezes, em 2019. E hoje, esse processo ganha mais um captulo. Minha cirurgia de mastectomia j est em andamento.
Mas sobre esse assunto, gosto de ressaltar o seguinte: nem todas as pessoas transgnero buscam por procedimentos cirrgicos ou hormonais e isso acontece por diferentes motivos. Vamos l: cada pessoa tem uma relao especfica com seu corpo. Ou seja, passar por procedimentos cirrgicos no uma regra. Cirurgias no tm o poder de “apontar” quem “mais trans ou menos trans”, alis nada tem esse poder. No se esquea disso, identidade de gnero tem a ver com autoidentificao, com essncia, como nos vemos e queremos ser vistos.
No meu caso, fao parte do grupo de pessoas transgneras que sentem algum desconforto ou disforia com algum aspecto corporal e que desejam realizar alguma alterao. Esses desconfortos podem gerar impactos profundos na sade mental e autoestima.
O que possibilitou minha mastectomia hoje que tenho o benefcio de ter conseguido um espao no mercado de trabalho e conseguir pagar meu plano de sade desde 2012. Mas para muitas pessoas trans e travestis essa realidade muito distante.
S para voc ter uma ideia, uma pesquisa da Fapesp, de 2020, feita com 528 transexuais de sete cidades do estado de So Paulo, indicou que apenas 13,9% das mulheres trans e travestis tinham emprego formal. J entre os homens trans, o percentual foi um pouco maior, totalizando 59,4%.
E esses dados alarmantes de desemprego entre a comunidade trans e travesti se repetem pelo pas afora. A te pergunto, como possvel pagar um plano de sade quando o direito de ter um trabalho digno negado?
“Mas Arthur, o Sistema nico de Sade (SUS) j oferece alguns procedimentos cirrgicos para pessoas transgnero?”. Sobre o assunto, a Associao Nacional de Travestis e transexuais (ANTRA), levantou as seguintes informaes: “em 2006, o SUS introduziu, por meio da Carta dos Direitos dos Usurios da Sade, o direito ao uso do nome social, pelo qual travestis e transexuais se identificam e escolhem ser chamados socialmente – e no apenas nos servios especializados que j os acolhem, mas em qualquer outro da rede pblica de sade. O Processo Transexualizador foi institudo em 2008, passando a permitir o acesso a procedimentos com hormonizao, cirurgias de modificao corporal e genital, assim como acompanhamento multiprofissional".
O programa foi redefinido e ampliado pela Portaria 2803/2013, passando a incorporar como usurios do processo transexualizador do SUS os homens trans e as travestis, tendo em vista que at ento apenas as mulheres trans eram assistidas pelo servio.
Vale ressaltar que antes de realizar algum procedimento cirrgico, seja pelo SUS ou rede particular de sade, as pessoas trans precisam passar por uma equipe multidisciplinar que inclui endocrinologistas, psiquiatras, psiclogos e ginecologistas.
Mas, por meio do SUS, ter acesso a esses servios pode demorar muito, o que colabora para aumentar os desconfortos e disforias entre a populao trans. S para voc ter ideia, conheo homens trans que esto na fila por mastectomia pelo SUS h mais de 6 anos. Tanto que semanalmente recebo no meu direct do meu instagram vrios pedidos da comunidade para divulgar vaquinhas digitais para financiar as consultas com os especialistas e tambm possibilitar as cirurgias.
Espero muito que esse cenrio mude e que mais e mais pessoas trans e travestis possam realizar o sonho que estou realizando hoje.
