Vereador de Santa Bárbara d'Oeste propõe lei que proíbe banheiros unissex - G1

3 years ago 1505
ARTICLE AD BOX

O vereador Carlos Fontes (PSL) de Santa Bárbara d'Oeste (SP) protocolou um projeto de lei que proíbe a instalação de banheiros unissex no município. A proposta deve tramitar na Câmara, ser votada e aprovada, além de sancionada pelo prefeito, para então entrar em vigor.

A proposta veta a instalação de banheiros denominados unissex em repartições públicas e privadas, e em estabelecimentos comerciais do município. Banheiro unissex é descrito como banheiro de uso comum, não direcionado especificamente ao gênero masculino ou feminino.

"Excetua-se do disposto desta lei os estabelecimentos públicos ou privados que têm banheiros de uso familiar ou quando se tratar do único banheiro do estabelecimento, desde que este seja de uso individual." O projeto descreve como banheiro familiar aquele usado por pais com crianças de até 10 anos.

Além disso, a proposta também determina uma multa para quem descumprir. O valor é de 200 Unidades Fiscais do Estado de São Paulo (Ufesp), que atualmente está em R$ 29,09 cada.

Em sua justificativa para o projeto, o parlamentar cita a segurança de mulheres. "É inaceitável que as mulheres e meninas de nossa cidade, sejam vítimas de insegurança, sendo obrigadas a dividir o banheiro com homens. Não é uma questão de gênero, mais sim de ajudar a proteger as crianças e mulheres."

Contudo, a professora e pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que integra o Núcleo de Estudos de Gênero Pagu, Regina Facchini, argumenta que não há estatística que comprove que banheiros unissex aumentem os casos de violência sexual. Segundo ela, esse tipo de projeto tende a politizar uma necessidade de algo que não acontece na sociedade.

"Os estupros não acontecem nos banheiros públicos. Pode haver um ou outro caso, mas em termos estatísticos não é aí que está o problema, não é aí que as mulheres estão em risco."

Segundo ela, a maioria dos casos de violência sexual contra mulheres e meninas acontece em casa ou outros ambientes conhecidos, com pessoas que fazem parte do núcleo familiar ou família estendida da vítima. "É um problema grave para as mulheres e meninas brasileiras, mas não é nos banheiros públicos que eles acontecem primordialmente."

"As mulheres e meninas estão em risco todos os dias em todos os ambientes. A virtualidade do estupro é uma presença na vida das mulheres do dia que elas nascem ao dia que elas morrem."

Para a especialista, esse tipo de projeto gera muita polêmica e traz visibilidade a políticos e particos. "Gera controvérsia pública, mas não gera efeitos em termos de enfrentar os problemas sociais que a gente de fato tem", completou.

Ainda segundo ela, o projeto tem um conteúdo que pode dificultar a vida de pessoas transexuais e transgêneros, que geralmente já têm dificuldade com uso de banheiros públicos.

Outra docente da Unicamp, Helena Altmann, que atua na área de educação física e esporte, com ênfase em gênero e sexualidade, afirma que acha autoritária uma proibição a esse tipo de alternativa de banheiro.

"Acho que não cabe a uma lei decidir em relação a isso. Cabe muito mais um debate público em relação a essa questão. É a possibilidade da gente ter diferentes formas de organização da vida social, diferentes modelos de banheiro e não modelos absolutamente padronizados. O próprio modelo de banheiro da família, que está legitimado pela proposta de lei, também é uma invenção relativamente recente [...] Também é uma reinvenção dessa questão."

Segundo ela, embora o projeto de lei cite a segurança de mulheres e meninas em banheiros públicos, a proibição não é uma garantia. "O que eu quero dizer é que não resolve a questão da violência", afirmou.

Outro argumento é a garantia do direito de uso do banheiro para a população transexual ou intersexual. "Na inexistência de banheiros unissex, em muitos casos geram situações de conflitos, de discriminação, de violência quando essa população vai usar os banheiros destinados exclusivamente a homens e mulheres [...] E não há uma preocupação por parte do vereador com as violências que são sofridas pela população transexual quando ela utiliza o banheiro, por exemplo."

"Essa questão de banheiro feminino e banheiro masculino está muito pautada em uma lógica binária, de pensar o feminino enquanto oposição ao masculino. E na sociedade contemporânea as expressões de gênero e sexualidade não se dão mais de uma forma tão binária. Então o espaço social, a arquitetura da cidade, dos espaços públicos, também precisa se reinventar no sentido de acolher essa população.

Em nota ao g1, Carlos Fontes afirmou que a proposta é que os espaços que já possuam banheiros unissex sejam transformados em "banheiros família", ou seja, locais para que pais entrem com crianças de até 10 anos.

"Quero deixar bem claro que não se trata de nenhuma forma de discriminação, de homofobia, ou transfobia, mas sim da preservação da intimidade e segurança das mulheres que são muito mais vulneráveis aos mais variados tipos de violência. Não podemos deixar de citar o assédio sexual que pode ocorrer nesses locais, razão pela qual não posso permitir que modismos ideológicos se sobreponham à segurança não só das mulheres, como também e principalmente, das nossas crianças."

Ainda de acordo com o parlamentar, em sua avaliação a construção de banheiros unissex vai aumentar casos de pedofilia e violência sexual. "Por exemplo: uma pessoa maníaco sexual, psicopata, poderá entrar em banheiros unissex, dizendo não ser hétero, e ninguém pode impedi-lo de entrar, e cometer prática de ato libidinoso, crimes sexuais contra mulheres e crianças em vulnerabilidade."

Fontes citou, ainda, a Constituição Federal, que fala sobre a proteção à intimidade do cidadão. Por último, o vereador diz que está fazendo um abaixo-assinado com a população da cidade e que o documento pode chegar a 40 mil assinaturas.

A Câmara de Santa Bárbara informou que o projeto ainda não foi distribuído para as comissões. "Em geral, todos são analisados passar pelas comissões permanentes de Justiça e Redação e de Finanças, Orçamento e Economia. Também é provável que esse projeto específico seja analisado pela Comissão Permanente de Direitos Humanos da Câmara Municipal."

O prazo para o trâmite até ser incluído para votação é de 90 dias, se não houver nenhuma intercorrência, como pedido de suspensão.

Sobre o teor do projeto, a Câmara informou que todo vereador tem autonomia pra apresentar o projeto que considerar relevante. "Se houver alguma ilegalidade, ele pode ser barrado nas comissões. Se não houver nenhum empecilho para que seja apreciado em Plenário, caberá à maioria dos vereadores decidir pelo mérito da propositura em questão."

O parlamentar Carlos Fontes é o mesmo que propôs a proibição de implantação de chips em humanos, em 2015. Na época, a justificativa do projeto de lei previa o "fim do mundo" e tinha intenção de impedir uma "ordem satânica mundial", representada pela “marca da besta”, onde todas as pessoas seriam marcadas na pele com dispositivos rastreadores.

O projeto chegou a ser aprovado na câmara, mas foi vetado pelo prefeito. Os parlamentares derrubaram o veto e a proposta virou lei em dezembro de 2015. A Procuradoria Geral de Justiça pediu a suspensão da lei no ano seguinte.

No texto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), o magistrado considerou que a lei desrespeita à Constituição porque "invade a competência legislativa da União". Por isso, a lei não está vigente.

VÍDEOS: Fique por dentro do que acontece nas cidades

Leia o artigo inteiro
LEFT SIDEBAR AD

Hidden in mobile, Best for skyscrapers.