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A Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) está em processo de estruturação de uma Comissão de Cotas Trans, que poderá representar um marco no fortalecimento das políticas afirmativas para pessoas travestis e transexuais na instituição. O grupo de trabalho (GT) formado por estudantes e técnicos da universidade tem se reunido desde abril para debater propostas e organizar a futura comissão, que deve ser oficializada nos próximos meses por meio de uma portaria institucional.
De acordo com Janaína Lima, estudante travesti do doutorado em Antropologia Social e integrante da iniciativa, “estamos no processo de construção da comissão”. Segundo ela, a última reunião do grupo, realizada em julho, teve um caráter formativo, e a próxima, marcada para agosto, deve oficializar a criação do colegiado junto à Reitoria. “Essa foi a nossa quarta reunião. As primeiras foram de discussões do tema e composição com os órgãos/setores da universidade”, explica.
O movimento pela criação da comissão teve origem em uma demanda concreta de assistência estudantil. Como relata Janaína, “a PROAE, em especial com o setor da assistência social e permanência estudantil, vem concentrando essas demandas dos estudantes trans e travestis”. Na sua opinião, esse é o setor que mais tem contribuído hoje com a movimentação institucional para dentro da estrutura da universidade.
Em texto construído coletivamente pelo Grupo de Trabalho das Cotas Trans e enviado à reportagem por Cássia Virgínia, assistente social da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PROAE), o histórico da mobilização é apresentado em detalhes:
“O que hoje movimenta tantos setores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), começou com algo pequeno, mas profundamente necessário: a construção de um fluxo de encaminhamento para que pessoas trans pudessem acessar com dignidade os espaços das residências universitárias em agosto de 2024, após resultado do Processo Seletivo do Programa Residência pela Divisão de Assistência Social e Ações de Permanência (DASAP).”
Segundo o GT, a iniciativa foi provocada pelo Serviço Social da PROAE diante da necessidade de acolhimento de estudantes trans contemplados com a residência no semestre 2024.1. A partir desse primeiro esforço institucional, o debate cresceu. Reuniões recorrentes passaram a reunir representantes de diversos setores da UFRN, como:
- Diretoria de Assistência ao Estudante (DASE)
- Diretoria de Atenção à Saúde do Servidor (DAS)
- Ambulatório Trans da DAS
- Centro de Referência em Direitos Humanos Marcos Dionísio (CRDH)
- Núcleo Administrativo da Residência (NAR)
- Comitê UFRN com Diversidade
- Diretório Central dos Estudantes (DCE)
- Secretaria de Inclusão e Acessibilidade (SIA)
- Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD)
- Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS)
- Estudantes da graduação e pós-graduação, incluindo representantes do Coletivo Trans da UFRN
“A iniciativa se consolidou como um Grupo de Trabalho (GT), com reuniões recorrentes, e que atualmente se mobiliza para se tornar uma Comissão de Cotas Trans para o acesso e permanência na universidade. Ainda não temos a criação formal da comissão, mas já estamos organizados, atuando e avançando.”
O debate na UFRN também está conectado com uma articulação nacional. O GT participa das discussões do Fórum Nacional de Pró-Reitores/as de Assuntos Comunitários e Estudantis (FONAPRACE), que tem debatido propostas para fortalecer políticas afirmativas nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), não só para a população trans, mas para indígenas, quilombolas, estudantes internacionais, estudantes com deficiência, dentre outros.
“A PROAE (representada pela Gestão e por uma Assistente Social da Assistência Estudantil da UFRN) tem participado de debates com outras universidades em encontros regionais e nacionais e, em 2025, realizamos um importante momento formativo com Sandro Ferreira, coordenador nacional do FONAPRACE, que compartilhou a experiência da UFSB – a primeira universidade do Brasil a implementar cotas trans e uma política de permanência para este segmento estudantil.”
“Este processo não é simples nem rápido. Exige o enfrentamento de resistências institucionais e sociais, mas também mostra a potência da organização coletiva, do engajamento estudantil e do compromisso de setores da universidade com uma política de permanência estudantil que considere as especificidades das populações mais vulnerabilizadas.”
“A construção das Cotas Trans na UFRN é mais do que uma pauta de inclusão: é uma resposta à histórica negação de direitos, e um passo concreto para que a universidade se aproxime de seu ideal democrático. Seguimos em construção. O GT das Cotas Trans está na luta, articulado, e trabalhando para que o reconhecimento institucional chegue — e com ele, a efetivação de políticas que garantam acesso, permanência e dignidade para pessoas trans na UFRN”, explica o texto.
Outras universidades que já adotam a política
Nos últimos anos, universidades públicas brasileiras vêm avançando na adoção de ações afirmativas voltadas especificamente para pessoas trans e travestis. A primeira instituição federal a implementar cotas trans de forma institucionalizada foi a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), que em 2021 passou a reservar vagas específicas em seus cursos de graduação e pós-graduação. A política inclui reserva de 5% das vagas remanescentes para pessoas trans e um plano de permanência estudantil.
A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) também é referência nacional, tendo aprovado em 2022 uma resolução que institui 1% de reserva de vagas para pessoas trans, indígenas e refugiadas em todos os cursos da instituição.
Outras instituições também vêm seguindo esse caminho. A Universidade Federal do Maranhão (UFMA) aprovou, em 2024, cotas para pessoas trans e intersexuais nos cursos de mestrado e doutorado. Já a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), por meio de sua Câmara de Pós-Graduação, abriu edital em 2022 com vagas específicas para travestis, mulheres e homens trans em programas como o de Educação.
Essas medidas fazem parte de um movimento nacional que tem incentivado as instituições a adotarem políticas mais inclusivas para populações historicamente excluídas do ensino superior.
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