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Localizada na avenida Governador Bley, no Centro de Vitória, a casa de shows “Projeto Subúrbio”, há quase dois anos, vem funcionando sem patrocínio, e é responsável por eventos com a participação de artistas LGBTQIA+, negros e periféricos. Porém, apesar de ser um local de diversidade, o responsável pelo projeto afirma que o espaço vem sendo alvo de perseguição por parte da fiscalização realizada pela Prefeitura de Vitória (PMV) e de políticos conservadores, o que dificulta o funcionamento do projeto.
A frente do estabelecimento, Átila Alves Costa define o “Subúrbio” como “um espaço de protagonismo preto, LGBTQIAP+ e periférico”. No local, complementa, “a gente se comunica, aprende e se apoia. Nossa cultura é valorizada e nossos corpos são respeitados”.
Nesse sentido, o criador do projeto afirma que por ser um local plural, o espaço é usado como pauta política conservadora e como forma de perseguição. “Por se tratar da população LGBTQIAP+, nunca e só sobre um estabelecimento. Somos usados como pauta política dos conservadores. Esse tipo de perseguição não é exclusivamente do ‘Subúrbio’. Produtores que tem como público alvo a população preta e/ou LGBTQIAP+ estão sempre enfrentando problemas com esse tipo de ‘ação'”.
Entre essas ações, as quais Costa define como agressivas e preconceituosas, está a que foi realizara um mês antes do Carnaval. “O carro da fiscalização já estava na porta da ‘Subúrbio’ todos os dias 9h da manhã. Quando aconteceu o Carnaval nós não conseguíamos trabalhar, enquanto em outros espaços, elitizados, funcionavam”.
Fiscalização

Diante disso, o responsável pelo “Subúrbio” afirmou também que a PMV não mantém nenhuma forma de comunicação com a organização do projeto. “Quando se intensificou esse tipo de fiscalização, chegamos a ir em uma reunião com o assessor do prefeito [Lorenzo Pazolini] buscando apoio para resolver alguns problemas que já não cabe aos organizadores resolver, já que as pessoas tem o direito de estar ali e com segurança”.
“O projeto cresceu muito e rapidamente entendemos o impacto que causamos ao redor. Mas sem o apoio da prefeitura os problemas continuarão. Pedimos que uma viatura da Guarda Municipal ficasse ali no início na rua para a segurança e para o controle da via e dos carros de som. Além disso, também ficamos à disposição de arcar com os banheiros químicos e limpeza da região”, contou Costa, ao mesmo tempo em que destaca que se o trabalho ocorrer em conjunto “os impactos na região diminuem”.
O que diz a Prefeitura de Vitória
Procurada pela reportagem, a Prefeitura de Vitória informou apenas que “a Guarda Civil Municipal de Vitória (GCMV) realiza patrulhamento preventivo e ostensivo na região diariamente, com prisões efetuadas por furto, roubo, cumprimento de mandado, entre outras ocorrências. “Na capital, de janeiro a maio, o número de furtos teve queda de 4%, e queda de 9,2% no índice de roubos. Os assaltos diminuíram 13% em Vitória, no mesmo período, comparado a janeiro a maio de 2021. No comparativo com 2020 e 2019, nessa época citada, redução de 20,1% e de 45,7%, respectivamente”.
Ainda segundo a administração municipal, a limpeza das ruas é realizada diariamente. “A Central de Serviços informa que instalou na região do Centro 200 novas papeleiras. Além disso, destaca que a varrição no bairro é realizada todos os dias à noite. Durante a manhã, são três vezes durante a semana. Já a coleta de resíduos sólidos urbanos é feita no Centro diariamente”.
ESHoje, no entanto, questionou a PMV sobre a reunião acerca do “Projeto Subúrbio”, mas não obtivemos resposta quanto a isso. O espaço permanece aberto.
Importância do espaço
As dificuldades encontradas por Costa para manter o ‘Subúrbio’ em funcionamento fazem com que a importância desse espaço seja ameaçada. De acordo com ele, a maioria dos lugares que falam e representam a cultura negra e periférica não possuem receptividade ao público LGBTQIAP+.
“Encontramos lugares que vão falar da cultura preta e periférica, mas esses espaços são heteronormativos. A gente percebe, com a nossa própria vivência, o desconforto que existe, entendendo que a população LGBTQIAP+, preta e periférica é negligenciada, sem algo que realmente as valorizasse. Quantas travesti vemos nesses espaços? Quantas vezes a gente presencia piadas desrespeitosas em espaço de elite? Às vezes pra você se encaixar, vai precisar abdicar das suas raízes e isso é extremamente violento”, frisou Costa, pontuando que o intuito do projeto é justamente criar um lugar de lazer e cultura acessível para aqueles que nunca tiveram.
Com essa proposta, e mesmo sem patrocínio ou apoio, o ‘Subúrbio’ é considerado um sucesso entre os jovens, pontua o organizador. “Já fizemos festa de um ano, réveillon, gandaia no Carnaval e conseguimos trazer artistas renomados como as Irmãs de Paus (duas artistas travestis de São Paulo), evento esse que nos encheu de orgulho, além da presença de artistas capixaba, como Mallu, Afari, Melaninas Mcs, Casa das Boneketys, Afronta Mcs, Gabriela Brown, Afrokizomba, entre outros”.
Como surgiu o ‘Projeto Subúrbio’
O ‘Projeto Subúrbio’, explicou o responsável pelo espaço, surgiu de forma orgânica e não planejada, tendo em vista a falta lugares na capital que sejam direcionados as populações preta e sua devida valorização, LGBTQIAP+ e periférica. Em setembro deste ano, o espaço irá completar dois anos. Confira a íntegra da história:
“Surgimos na comunidade do Forte São João em setembro de 2020. Éramos alguns amigos que sempre estávamos juntos e dialogando, e tínhamos o costume de unir os aniversariantes do mês de setembro para comemorar. Desse modo, percebemos que as pessoas se sentiam muito bem estando ali.
Eu e meu ex-namorado estávamos sem trabalhar e a situação não era das melhores, e vimos uma oportunidade para nos sustentar, e rapidamente a ideia nos cativou. Logo, teríamos que buscar um novo espaço. Foi quando encontramos uma loja no Centro de Vitória, em uma rua sem saída (espaço atual).
Era nítido o descaso com a localização, o local emanava uma sensação de insegurança, muitas pessoas em situação de rua, todos os pontos estavam para alugar ou fechados. Entretanto, eu vi o potencial. Com o apoio dos amigos, a gente começou realmente o projeto. Não tínhamos nada e para funcionar levamos a geladeira de casa, ficando sem nos fins de semana. Com muita dificuldade, porém com muita vontade deu certo e ganhamos à adesão da popular rapidamente”.