Profissional do sexo relata medo de trabalhar em Ribeirão Preto após três assassinatos: 'Muitas vão morrer ainda' - G1

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A profissional do sexo Bianka Áquilla Polatto trabalha em Ribeirão Preto (SP), mas mudou a forma de atendimento neste ano por causa da violência. Só encontra clientes com hora marcada e no local que ela escolhe. Desde abril, três profissionais, entre elas duas mulheres transexuais, foram mortas de forma brutal na cidade.

“Muito [medo], literalmente. A gente trabalha na incerteza de saber se vai acordar vivo no dia seguinte. A gente sabe que vai, mas não sabe se vai voltar com vida. Ela não vai ser a primeira e nem vai ser a última a ser morta. Muitas vão morrer ainda para que possa fazer alguma coisa”, afirma.

Bianka Áquilla Polatto trabalha como profissional do sexo em Ribeirão Preto, SP, e diz ter medo — Foto: Aurélio Sal/EPTV

Ela, a quem Bianka se refere, é a amiga Milena Massafera, de 34 anos, que foi morta a facadas dentro do próprio apartamento na Vila Tibério, em 10 de abril deste ano.

Segundo testemunhas, na noite anterior, Milena se encontrou com um cliente. Câmeras de segurança chegaram a registrar um homem entrando e saindo do imóvel. Quando deixou o local, ele tinha trocado de roupa, de acordo com a investigação.

Bianka diz ter ficado em choque com o crime que matou a amiga. “Eu fiquei muito chocada, porque era uma pessoa que não fazia mal a ninguém. Eu a conhecia e ela não fazia nada a ninguém. Era uma pessoa maravilhosa, a gente ficou sem entender porque aconteceu isso com ela.”

O caso mais recente é o de Rafaela de Jesus Moraes, de 33 anos. Segundo a Polícia Civil, embora ainda falte o exame de DNA, a ossada achada em um canavial no dia 13 de dezembro são os restos mortais dela. A comparação de exames de raio-x entregues pela família permitiu a identificação. Rafaela estava desaparecida desde o fim de novembro e tinha saído para trabalhar no dia que sumiu.

De acordo com o delegado responsável pelo caso, Rodolfo Latif Sebba, há indícios de que Rafaela tenha sido torturada.

“Foram encontradas cordas nesse corpo, muito provavelmente foram utilizadas para amarrar a vítima. Também foi constatada a fratura de alguns ossos. São ossos importantes e tudo indica que foram quebrados enquanto ela ainda estava em vida. Também foi possível perceber a carbonização de partes do corpo”, afirma o delegado.

Ossada encontrada na semana passada em Ribeirão Preto é de Rafaela de Jesus Moraes — Foto: Arquivo Pessoal

Bianka afirma que a violência contra profissionais do sexo aumentou e que as leis no Brasil não protegem pessoas transexuais como ela.

“[A violência piorou] por causa das leis do Brasil. Eles [autoridades] não dão prioridade para a gente, eles dão prioridade ao hetero. Para nós, que somos mulher trans, está dito e feito. O que aconteceu, aconteceu. Se tiver justiça, tem. Se não tiver, não tem. É desse jeito.”

O delegado Rodolfo Latif Sebba também é responsável pela investigação da morte de Milena e de Márcia Marcita, de 42 anos.

A transexual Milena Massafera foi achada morta dentro de casa em Ribeirão Preto, SP — Foto: Arquivo pessoal

O corpo de Márcia foi encontrado no dia 9 de abril, na casa onde ela morava no bairro Parque Avelino Palma. Ela foi achada por uma amiga que foi ao local em busca de notícias dela, já que não respondia às tentativas de contato por nove dias. Márcia tinha marcas de violência.

O delegado afirma que não houve prisões de suspeitos nos casos de Milena e Márcia, mas que a investigação prossegue.

Sobre a morte de Rafaela, Sebba afirma que a polícia já reuniu fortes indícios sobre o suspeito, mas os detalhes estão sob sigiloso.

Embora haja semelhança entre os crimes, o delegado descarta a participação da mesma pessoa neles.

“Não existe nenhuma relação com os outros crimes ocorridos no mês de abril. Eles ainda estão em aberto. A gente está avançando nas investigações, há linhas distintas de trabalho. São situações totalmente isoladas.”

Para Bianka, apenas o esclarecimento dos casos pode levar tranquilidade aos profissionais do sexo em Ribeirão Preto.

A travesti Márcia, de 42 anos, foi achada morta em casa após amigos darem falta dela em Ribeirão Preto, SP — Foto: Redes Sociais

A assistente social da ONG Vitória Régia, que presta ajuda jurídica e psicológica a pessoas com atividades ligadas ao sexo, repudia a violência e diz que ela é fruto da intolerância.

“A discriminação e a intolerância por essa categoria nós não podemos mais permitir que isso aconteça no ano de 2022, que estamos entrando. Estamos pedindo providências urgentes para a delegacia, que esses casos de assassinato não sejam esquecidos. Vamos lutar até o fim para valorizar vidas. Não importa a profissão. As profissionais do sexo, a população LGBTQIA+, todas merecem respeito, todas merecem ser incluídas nas políticas públicas”, diz Regina Brito.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Ribeirão Preto, Douglas Eduardo Campos Marques, diz que acompanha a investigação e que presta apoio às pessoas que denunciam casos de violência.

“A OAB tem sido alvo de denúncias envolvendo as profissionais do sexo, entre outras comunidades vulneráveis. A OAB tem se colocando à disposição das profissionais para acompanhar suas reivindicações. É necessário um acompanhamento, pois é uma população muito vulnerável e que precisa de auxílio”, afirma Marques.

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