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O Instituto Sivis realizou uma pesquisa para medir a liberdade de expressão nas universidades brasileiras e, para descobrir os temas que são mais evitados, os pesquisadores apresentaram uma lista com 14 assuntos e perguntaram se o estudante se sente confortável ou relutante em conversas sobre eles.
O assunto com maior nível de desconforto foi política e eleições: 39,3% dos estudantes relataram sentir algum nível de desconforto ao expressar suas opiniões sobre isso. Outros temas que também apresentam porcentuais relevantes de relutância foram legalização da posse ou do porte de armas (37%), aborto (29,7%), legalização da maconha (28,6%) e questões relacionadas a pessoas transgênero (28,3%).
Autocensura entre universitários reflete a polarização política que ocorre há anos no Brasil.
Foto: Jorm Sangsorn/Adobe Stock/Gerado
A pesquisa ouviu 1.092 universitários, de forma presencial, em 23 cidades distribuídas por todas as regiões do Brasil, ao longo de dez dias de maio. A amostra foi probabilística e desenhada com o objetivo de representar adequadamente a população estudantil.
Por isso, foi feita uma estratificação por região, tipo de instituição (pública ou privada) e área do conhecimento (humanas, exatas e saúde), considerando o universo de mais de 5 milhões de universitários do Brasil. O Sivis é um think tank que trata de temas como democracia e liberdade de expressão.
“Encontramos dados alarmantes, porque parte significativa (dos universitários) não se sente segura no espaço da universidade e evita discutir assuntos controversos ou polêmicos na sala de aula”, afirma Sara Clem, analista de pesquisa do Instituto Sivis. “A situação que a gente vê na universidade faz parte e é reflexo de uma cultura democrática frágil, com pouco diálogo e onde a tolerância não é valorizada.”
A autocensura reflete a polarização política que ocorre há anos no Brasil, mas surpreende por se esperar da universidade um ambiente favorável ao debate, na análise do instituto. Essa percepção, segundo especialistas, compromete tanto o desenvolvimento de pesquisas quanto a formação dos professores e alunos, que se deparam com um espaço menos plural e favorável à troca de ideias e debate de argumentos.
Quais os temas mais evitados nas universidades?
- Política e eleições: 39,3% dos estudantes relataram sentir algum nível de desconforto ao expressar suas opiniões sobre isso.
- Posse ou porte de armas (37%)
- Aborto (29,7%)
- Legalização da maconha (28,6%)
- Questões ligadas a pessoas transgênero (28,3%)
Autocensura por medo de retaliações
O Sivis também quis saber se o pesquisado pratica autocensura, que consiste em se abster de compartilhar certas opiniões por medo de retaliações, sejam elas sociais (por exemplo, exclusão de eventos sociais), profissionais (como perda do emprego ou promoção), legais (como processo judicial ou multa) ou violentas (agressão, por exemplo), independentemente de essas consequências virem do poder público ou de outras fontes.
Durante as discussões em sala de aula, 8,5% dos universitários afirmaram sempre adotar a autocensura, 11,4% disseram adotá-la muitas vezes e 20,8% a praticaram ocasionalmente. No total, portanto, 40% dos entrevistados responderam adotar a autocensura nessa situação. Desse grupo, 43% se identificam com o centro, 35,6% se dizem de esquerda e 32%, de direita.
O Sivis perguntou com que frequência os estudantes evitaram discutir assuntos controversos na sala de aula nos últimos 12 meses:
- 14,5% responderam que sempre;
- 12,1% disseram que muitas vezes;
- 21,1% afirmaram que ocasionalmente evitaram.
A percepção de menor liberdade de expressão nas universidades não se restringe ao Brasil. Em pesquisa de 2024 da consultoria britânica Times Higher Education feita com 452 entrevistados em 28 países, 77% dos respondentes percebem diminuição da liberdade de expressão acadêmica na última década.
Em março, em um caso emblemático, autoridades aplicaram multa recorde contra a Universidade de Sussex, no Reino Unido. O motivo foi não “defender a liberdade de expressão e a liberdade acadêmica” de uma funcionária.
A multa resulta da investigação do caso de Kathleen Stock, professora de Filosofia, que pediu demissão após relatar uma campanha de assédio por parte de alunos e ativistas devido a suas opiniões sobre identidade de gênero.
No Brasil, em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que violam a liberdade de expressão de alunos e professores as tentativas de impedir a livre manifestação de ideias dentro das universidades. A ação era julgada desde o 2º turno da eleição de 2018, após juízes autorizarem operações policiais em câmpus onde ocorriam campanhas político-partidárias.
Nos Estados Unidos, o receio de interferências na liberdade acadêmica aumentou após o presidente Donald Trump ameaçar universidades, como Harvard e Columbia, de corte de financiamento caso não sigam regras impostas pela Casa Branca.
Nos últimos anos, o tema também tem mobilizado debates sobre o papel da imprensa, da Justiça, do governo e das big techs (plataformas responsáveis pelas redes sociais) no equilíbrio entre a defesa da liberdade de expressão e do combate aos discursos de ódio e outros crimes.