
Uma tese de ps-graduao em Comunicao Social na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) revelou como relatos policiais e jornalsticos contribuem para a criminalizao de pessoas transgnero e travestis mesmo quando elas so vtimas de assassinatos. O estudo analisou boletins de ocorrncia, reportagens e dossis produzidos pela Associao Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e foi reconhecido pelo Prmio ComPs deste ano.
A autora da tese, Dayane Barretos, doutora na rea pela UFMG e afirma que o estudo tem como inteno denunciar os estigmas criados sobre a comunidade trans e travesti no Brasil, alm de evidenciar a necessidade de se lamentar essas mortes sem deslegitimar o lugar da vtima.
“O objetivo da pesquisa era tentar entender como as produes que abordam os assassinatos de pessoas trans e travestis ajudavam nesse imaginrio social que acaba fazendo com que esses sujeitos sejam mais vulnerabilizados”, afirma a pesquisadora.
Ela explica ainda que boletins de ocorrncia e notcias jornalsticas sobre os assassinatos reafirmam o apagamento e a opresso que essa comunidade sofre diariamente ao culpabiliz-la, associando as vtimas s drogas e prostituio.
O pas que mais mata trans e travestis
Um dossi da Antra revelou que o Brasil o pas que mais mata pessoas transgnero no mundo, tendo alcanado 175 mortes mapeadas apenas em 2020 e 140 em 2021, sendo a maioria pobre, preta e do gnero feminino. Esses nmeros, no entanto, no so suficientes para que haja uma produo censitria oficial sobre essas pessoas e, apesar de o pas no saber exatamente quantas so e nem como vivem as brasileiras e os brasileiros trans, a Antra estima que cerca de 1,9% da populao pertena comunidade.
O primeiro Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) que levou em conta a comunidade LGBT, publicado em 2022, tambm no considerou pessoas trans e travestis. Dayane explica que a ausncia de desenvolvimento de pesquisas oficiais sobre esses dados no ao acaso e faz parte de mais uma forma de invisibilizar essa comunidade.
A anlise da pesquisadora mostrou que boletins de ocorrncia e reportagens sobre assassinatos de pessoas trans e travestis frequentemente tentam culpar as vtimas pela morte. “So feitas indicaes de envolvimento com drogas ou com prostituio, de forma a deslegitimar esse lugar de vtima, ento ficava at difcil de elas ocuparem esse lugar”, explica ela.
Falta de sensibilidade
Segundo o dossi da Antra, das notcias que noticiaram a morte de pessoas trans e travestis em 2021, 10% no respeitaram a identidade de gnero das vtimas e 17% no utilizaram seus nomes sociais. Dayane tambm afirma que faltam, nas reportagens, depoimentos de parentes das vtimas ou de movimentos sociais que se contraponham ao discurso de criminalizao.
“A principal diferena que pude observar com essa pesquisa foi que, algumas vezes, as matrias jornalsticas tinham esses depoimentos, mas na maioria era quase um ‘copia e cola’ dos boletins, o que extremamente problemtico porque as duas coisas tm objetivos muito diferentes”, explica.
Keila Simpson, presidente da Antra, fala que “repetimos a cada ano [sobre os altos nmeros de transfeminicdio registrados] e as nossas vozes no ecoam onde deveriam chegar. Estamos merc de ns mesmas. Quem chora por ns?”. Ela tambm comenta que, muitas vezes, as travestis assassinadas so enterradas como indigentes e que a associao costuma fazer arrecadaes para que sejam veladas com dignidade.
A autora da tese reitera que os corpos de pessoas trans e travestis “tensionam as normas de gnero, mostrando que elas so questionveis”, o que acaba desestabilizando condutas importantes para a sociedade. Para Dayane, " preciso denunciar essa realidade para que se entenda o quanto ela absurda, para que essas mortes passem a ser lamentadas e que se perceba o quanto essas vidas tambm so vlidas”.
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