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Ícaro Carvalho
Repórter
Medo, impunidade e resiliência. Essas são três palavras que toda pessoa LGBT+ já escutou ou falou em algum momento de sua vida. É o misto do receio de serem julgados e consequentemente agredidos por serem quem são, a ausência de punição pelo Poder Público e a necessidade de ressignificar as agressões e tentar conviver com as feridas causadas pela vida. Com a população transexual e travesti, considerada mais invisível no universo LGBT, esse cenário é ainda mais evidenciado: um mapeamento feito pela Prefeitura do Natal mostra que 79,1% das pessoas trans e travestis já foram agredidas em algum momento de suas vidas, o que representa 8 a cada 10 pessoas deste universo. Porém, 90,9% não procuraram às autoridades para denunciar as agressões.

Levantamento da Prefeitura de Natal é inédito e foi obtido com exclusividade pela TRIBUNA DO NORTE. Ele mostra que 79,1% das pessoas trans foram agredidas e 90,9% não procuraram a polícia
Os dados fazem parte de um levantamento obtido com exclusividade pela TRIBUNA DO NORTE. Este é o primeiro Mapeamento da População Trans e Travesti de Natal, feito pelo Observatório LGBT+, do Centro de Cidadania LGBT+, vinculado à Prefeitura de Natal. O espaço foi aberto em setembro do ano passado e é um dos poucos lugares disponíveis no Estado para a população.
“Não ter o dado, a estatística, impacta diretamente na implementação de políticas públicas. Não se sabe perfil, onde estão, principais demandas. O que sabemos é examinando a questão social que os envolve quando eles procuram o espaço e tomamos conhecimento da demanda, as violações”, apontam a coordenadora do Centro, Luana Soares, e Auricéa Xavier, diretora técnica da Secretaria de Assistência Social de Natal.
Participaram do estudo 203 pessoas transexuais e travestis que moram em Natal. Entre os tipos de violência sofridas pelas pessoas trans, travesti e transgênero de Natal, os cinco maiores registros são a psicológica (18,4%); discriminação (16,5%); verbal (16,5%); violência sexual (13,1%); física (12,2%). Em alguns casos, essas pessoas sofreram mais de um tipo de violência.
“É uma reivindicação nacional dos movimentos LGBTs para que sejam feitas perguntas sobre identidade de gênero e orientação sexual. Nem Censo tivemos. Na construção do Centro pensamos no Observatório, que se propõe a organizar os dados e dar visibilidade. É uma tentativa, ainda que insuficiente, com limitações, de atender essa reivindicação”, cita Luana Soares, coordenadora do Centro de Cidadania LGBT de Natal.
Outros dados do mapeamento chamam a atenção: 68,5% não fizeram a alteração de nome e gênero, ao passo que 89,2% tem interesse em fazer a mudança na documentação civil; 42,4% não recebem apoio financeiro da família; 41,4% vive sem renda ou com até um salário mínimo; 79,3% não possui emprego ou trabalham na informalidade.
“A população LGBT sentiu mais a pandemia. Ficou em casa, com familiares que em geral são conservadores. O auxílio emergencial, por exemplo, 34% da população trans e travesti não alcançou o auxílio, porque não tinha documentação básica para dar a entrada. São aspectos que demonstram o aumento da violência. Por exemplo: as mulheres trans que recorrem à prostituição para sobreviver, não puderam ir para casa, porque precisavam se manter na rua para ter o que comer”, finaliza.
Casos recentes
As discussões sobre a violência contra a população LGBT+ ganharam novos contornos nos últimos dias no Rio Grande do Norte com três casos registrados em menos de uma semana. Num desses casos, a panfletista trans Luara Betys, 28 anos, foi agredida na Cidade Alta em plena luz do dia por um homem que desferiu socos em seu rosto. Mesmo após a agressão, Felipe Araújo, que foi preso no último domingo, chegou a debochar da vítima e disse que “bateria de novo pois tem que botar mulher para trabalhar".
Na última sexta-feira (10), a Polícia Civil indiciou o agressor pelo crime de racismo, coação de testemunha e lesão corporal. Em junho de 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) equiparou os crimes contra pessoas LGBT+ ao racismo, uma vez que ainda não há previsão jurídica para este tipo de crime.
“Até que seja criada essa lei específica tipificando penalmente, essas condutas vão ser encaixadas no racismo, porque englobam o preconceito propriamente dito”, explica o advogado de Luara, Bruno Henrique Saldanha.
Na semana passada, um jovem de 24 anos denunciou um caso de homofobia em um shopping da zona Sul de Natal. Ele registrou, através de seu celular, o momento em que um homem se aproximou dele e do seu namorado e "sugeriu" que eles se afastassem. No vídeo, é possível ver o homem, visivelmente incomodado, mandar o casal "sarrar em casa" e deixar o local.
“Infelizmente ainda existe uma sensação de impunidade muito grande. A população LGBTQIA+ tem buscado cada vez mais denunciar as agressões, sejam verbais e físicas. E incentivamos que isso aconteça, porque o xingamento de hoje pode se tornar o homicídio de amanhã”, reforça o advogado Bruno Henrique Saldanha.