'O momento pede renovação', diz pré-candidata do PSOL ao Senado por Minas - O Tempo

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A pré-candidata do PSOL ao Senado, Sara Azevedo, foi a entrevistada do programa Café com Política, da rádio Super 91,7 FM, desta quarta-feira. Leia e assista abaixo a íntegra da entrevista.  

Temos uma disputa ao Senado que, aparentemente, segundo as pesquisas, está muito aberta. Nós temos vários nomes já conhecidos do eleitorado, mas nenhum deles conseguiu ainda despontar a ponto de ser o franco favorito. Como você pretende tornar o seu nome mais conhecido para tornar sua candidatura competitiva diante deles? Bom, em primeiro lugar, o momento pede renovação. Nós estamos falando de um cenário de um país que acaba de sair de dois anos de pandemia. É um novo momento, uma nova conjuntura, de uma crise absurda que se abriu no país. Voltamos ao mapa da fome no mundo e isso não é pouca coisa para o nosso país. Ainda por cima, nós estamos no estado onde quatro a cada dez mineiros recebe até um salário mínimo. Isso mostra que existe uma crise brutal e que nenhuma das saídas apresentadas foi aprovada pela população. E as pesquisas indicam isso. É preciso de caras novas, nomes novos para serem apresentados. Além disso, sou uma das únicas mulheres na disputa. Isso mostra que as mulheres já vêm numa crescente de lutas, de construção de direitos e que também queiram ser representadas. Então, acredito que esse é o perfil que a gente vem construindo, de ser uma mulher lésbica, trabalhadora da educação, que conhece na base o que a gente está vivendo e que viveu. A educação foi um dos temas mais citados durante a pandemia. Então acredito que, a partir disso, a gente consiga construir a imagem, mas não somente a imagem, mas construir uma política que de fato seja para ouvir a população, que eu acho que é isso que a gente precisa hoje, que é ouvir o que as pessoas querem para esse cargo que a gente está disputando.

Uma das bandeiras que você defende é a educação nas escolas. Você, que é mulher lésbica, o que pensa sobre essa questão da educação no quesito LGBTQIA+ e qual seria a pauta mais urgente para que haja uma transformação da mentalidade, tanto de educadores quanto de pais e até dos estudantes que convivem com esses alunos? Acredito que um dos pontos primordiais para a questão LGBTQIA+ tem mais a ver, no Brasil de hoje, com a sobrevivência. O Brasil é, ainda, o país que mais mata LGBTQIA+ no mundo e isso não dá para gente negar. Então, as pautas de sobrevivência são pautas importantíssimas. Pela primeira vez na história, nós tivemos dados oficiais sobre a nossa população LGBTQIA+ levantados pelo IBGE, porque os dados que nós tínhamos eram dados levantados pelas próprias ONGs. Então, agora, a gente tem dados oficiais, ainda que inconclusivos, mas são dados oficiais. A partir disso a gente pode postular políticas públicas para o processo e as escolas precisam ser mais abertas a esse espaço. Quanto mais jovens, mais eles estão se descobrindo LGBTQIA+, porque é um processo de experimentação, de experiências que estão se passando e que são necessárias para o processo de desenvolvimento. E é nesse espaço que a gente precisa formar pessoas que possam receber a população LGBTQIA+, porque a escola também é um espaço onde há o maior índice de evasão dessa população. E se você tem evasão, você não dá condições dessa população LGBTQIA+ de se formar e, portanto, ela não vai entrar no mundo do trabalho. Então, as condições vão se dar a partir disso e a escola é um grande berço para isso. Acredito que nesse espaço a gente vai precisar de ter uma melhor formação dos profissionais e ainda uma um espaço para que as pessoas possam receber e acolher uma população tão oprimida e que morre de medo também diante de tantos assassinatos e agressões da população LGBTQIA+.

O uso do banheiro comum por alunos trans, que foi motivo de polêmica em uma escola particular em Belo Horizonte e gerou reações de muitos pais, muitos profissionais das escolas e também de alunos que são contra esse uso do banheiro pela aluna trans. Quem é contra fala que tem que ter um banheiro só para eles. O que que a senhora pensa sobre isso? Qual seria o caminho para poder mudar essa realidade, não só nas escolas, mas em relação aos banheiros coletivos em geral? Os banheiros ainda são pauta. Veja bem, estamos falando de banheiros, e banheiros de escola, banheiros públicos. Essa é uma pauta que não deveria existir levando-se em consideração, inclusive, que, no Senado Federal, somente há seis anos que há o banheiro feminino. Então a gente já tira por aí um pouco que a ideia com relação a isso ainda é muito atrasada, muito retrógrada. A gente ainda separa muito o banheiro masculino do feminino, em geral, as escolas têm banheiro de meninos e banheiros de meninas. Esse debate que está ocorrendo justamente com essa aluna, que foi exposta arbitrariamente por um vereador, mostra que se desconhece a sua realidade quando há a negação do uso do banheiro que tem a ver com a negação do gênero dessa menina. Qual é a dimensão que a gente vai dar para esse processo. A gente precisa amadurecer essas questões para discutir com os adolescentes e crianças em formação. Nós temos que dar oportunidade dessa formação e não reforçar um elemento que promove o ódio por causa do uso de banheiro. Qual é a diferença nas nossas casas? Muitas vezes, nós temos um único banheiro, quando tem, porque ainda temos a situação de vulnerabilidade social em tantas casas que a gente não imagina. Mas é uma escola particular, então nós temos um público de crianças e adolescentes que vêm de uma camada que tem casa com um banheiro, nem sempre tem um banheiro próprio somente para um menino e um banheiro próprio para uma menina. Nós temos um banheiro comum num espaço público. Nós estamos fazendo uma discussão sobre como vai ser o uso público e comum desses espaços. Se você não permite que esses alunos possam ter esse espaço, também estamos reforçando mais ainda uma ideia de que esses alunos são diferentes, que eles não podem estar em determinados lugares.

Ainda na seara da educação, a Câmara de Belo Horizonte aprovou um projeto de lei que proíbe o uso de linguagem neutra nas escolas. Essa é uma pauta muito contrária àquilo que a população LGBTQIA+ defende. Como você avalia a aprovação desse projeto? Eu estava lá na Câmara Municipal ontem. Tentamos entrar nas galerias e não conseguimos por conta do número de pessoas que foram mobilizadas para estarem lá apoiando a aprovação desse projeto. Esse é um projeto que, na verdade, como a minha companheira de partido, a vereadora Bela Gonçalves falou na tribuna, um projeto inútil, porque ele não corresponde ao que de fato acontece. Eu desconheço que exista na grade escolar, na matriz escolar, inclusive da LDB, alguma referência a esse debate propondo a inclusão da linguagem neutra nas escolas hoje. Ainda mais porque está legislando para as escolas municipais, apesar de falar que vai apresentar para as escolas particulares. Mas não é o que determina a legislação, nem o que está nos parâmetros curriculares nacionais, na LDB e até na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Você tem aí um projeto inútil e inconstitucional. Além disso, o projeto não corresponde à real necessidade das escolas. Por fim, esse é um debate para esconder o que de fato está acontecendo, para não discutir o que é o cerne do problema. Hoje nós estamos vivendo uma situação em que os estudantes estão voltando para as escolas depois de dois anos em condições bem piores do que estavam antes, porque é um processo de readaptação ao processo de ensino-aprendizagem. E essa readaptação demora um tempo. Nós estamos vendo uma série de casos de estudantes com a saúde mental debilitada, casos de depressão muito forte e acelerada, casos de suicídio. Então, você tem aí uma série de outros problemas que poderiam ser resolvidos na escola e que estão sendo escondidos através dessa cortina de fumaça, que é o debate da linguagem neutra. É um debate inútil que não vai resolver e nem responder absolutamente nada em relação às reais necessidades desses estudantes e dessas famílias pessoalmente.

Você é a favor da linguagem neutra? A linguagem neutra inclui as pessoas que estão sendo excluídas. Se a pessoa não se reconhece como isso, porque ela não pode ser reconhecida da forma como ela quer ser conhecida? Esse é o cerne do debate, porque a linguagem neutra, na verdade, é um fator de inclusão da população LGBTQIA+, especialmente a população travesti, transgênero e transexual e não binária que não se reconhece e tenta se encontrar nesse mundo que é tão difícil.

Essa seria uma pauta no Senado? Até porque você fala que, a LDB que é o grande norte da educação no Brasil, não tem nenhum trecho sobre linguagem neutra. Então, essa é uma pauta que, obviamente, precisaria ser discutida no plano federal. Essa é uma pauta importante, mas deveríamos investir mais na formação dos profissionais da educação, porque nenhum profissional da educação básica da rede de ensino teve essa formação justamente. O tema ainda está nos processos de pesquisa e em construção dentro das universidades. A discussão do tema tem que passar por um processo e esse processo passa pela formação dos professores no ensino superior para chegar na rede básica. O que eu defendo é que exista esse processo, porque é a partir dele que a gente vai desenvolvendo os debates. Acho importante que exista o debate e acho que a gente precisa amadurecer o debate para de fato chegar a esse plano Acredito que esteja acontecendo já. Talvez, daqui a um tempo, inclusive, isso seja inevitável.

Você é candidata ao Senado, mulher lésbica assumida, casada há seis anos, com essa atuação toda no PSOL, que é um partido considerado polêmico para as mentes mais conservadoras. Você citou os desafios da mulher, os preconceitos e as dificuldades no seu caso que já tem esse perfil assumido. Você acredita que vai enfrentar muito mais dificuldades no Senado do que enfrentaria normalmente? O espaço nosso na política sempre foi carregado, né? Sempre foi marginalizado. Seja enquanto mulher, seja enquanto uma mulher lésbica. Então, agora, na disputa do Senado, amplia esse preconceito porque amplia a visibilidade. E, com isso, uma horda de conservadores vão vir para tentar difamar, para tentar promover uma série de violências, que são violências simbólicas, mas são violências psicológicas também. Portanto, as pesoas vão se manifestar e já se manifestam nas redes sociais escrevendo e falando uma série de coisas que a gente lê e ouve. Uma das mais clássicas é falar sobre a imagem: é gorda, é Maria macho. Esse tipo de fala a gente ouve recorrentemente e isso não fala nada a respeito dos projetos e debates políticos que a gente tem para apresentar. Acredito que, nesse espaço que tem maior visibilidade, é maior também a violência. Então a resistência é justamente enfrentar todo tipo de opressão. É preciso buscar os espaços de debate para falar sobre as questões LGBTQIA+, as questões das mulheres, pois nós estamos falando de toda a população, não estamos falando somente de um nicho. Porque aquilo que a gente defende e deseja é aquilo que toda a população defende e deseja, que são direitos, que são garantias de sobrevivência, como de moradia, de transporte, de segurança.

O que que a gente precisa fazer para vencer muitas vezes a confusão que existe entre a discussão de direitos civis com religião e religiosidade, que a gente tem visto muitas vezes que é uma linha muito tênue? As discussões sobre esses temas se tornam, às vezes, rasas. Então, na verdade, a gente precisa discutir cada qual no seu cada qual. As questões de gênero e sexualidade não necessariamente envolvem religião. A não ser que o sujeito seja parte de uma religião. Outra coisa são as relações gerais, as relações entre nós, seres humanos, não são regidas necessariamente por religiões. Apesar de que muitas pessoas são orientadas espiritualmente pela fé, pelo que acreditam, pelas religiões. São duas coisas totalmente diferentes. Não tem como uma legislar sobre a outra. Nem as questões de gênero e sexualidade podem legislar sobre as religiões, a não ser que isso construa um sentimento de ódio na população. A mesma coisa serve para as religiões  que também não podem interferir nas relações que existem que são humanas.

Muita gente das alas conservadoras diz que o pessoal LGBTAIA+ quer é implementar uma ditadura daquilo que eles pensam. Eles acusam vocês, por exemplo, de incentivar que as pessoas sejam LGBTQIA+. O que vocês buscam efetivamente? Eu vou dizer que a gente já existe. Não dá para dizer que a gente não existe. Nós somos de carne e osso, nós somos materiais, nós estamos aí, nós somos a base da população, nós somos trabalhadoras e trabalhadores, nós temos pessoas em todos os espaços da sociedade. Então, não dá negar que essas pessoas existem e esse é o grande X da questão. A gente não quer impor nada, a gente quer direito. Eu quero ter o direito de ir e vir sem sofrer nenhuma violência na rua. Eu quero ter o direito como qualquer outra pessoa de me casar e eu tive esse direito e quero manter esse direito. Eu quero ter o direito de poder ter as minhas relações, que elas sejam garantidas. Ou seja, eu quero ter o direito a ter os mesmos direitos que qualquer pessoa tem, sendo ela homossexual, bissexual, travesti, transexual. Não há diferenças, nós somos seres humanos, nós precisamos ter as mesmas condições.

O PSOL é hoje um partido que, no plano nacional, deve caminhar com o ex-presidente Lula. E aqui no plano local a gente tem uma diversidade desse pensamento porque o PSOL foi contrário à aliança de Lula e Kalil. Hoje a chapa tem um pré-candidato ao Senato, que é o atual senador Alexandre Silveira. Como é que vocês pretendem lidar com? Primeiro o PSOL tomou uma decisão importante, que tem a ver com o cenário político colocado. A nossa tarefa número um é derrotar o Bolsonaro e, com isso, derrotar o bolsonarismo. Temos essa tarefa muito clara para nós e é uma tarefa mesmo porque depois de quatro anos de governo e de tudo que nós vivenciamos, como o genocídio de mais de 600 mil pessoas a partir de como o combate à pandemia foi conduzido, mais uma situação de miserabilidade a alta dos alimentos, somadas às condições de vida precárias, temos em mente que a derrota do Bolsonaro é necessária. E é por isso que nós estamos juntos com o ex-presidente Lula para vencer essas eleições. E espero que a gente vença no primeiro turno. Porque aí, a partir disso, nós vamos ter condições melhores de fazer uma disputa da sociedade que a gente consiga colocar todos esses elementos das necessidades emergenciais como também as do debate político para gente conseguir avançar na sociedade. Acho que isso não dá mais para postergar mais tempo. Agora, em Minas, nós temos uma condição. Nós temos divergências. E esses apoios que nós construímos, essas alianças que nós construímos não podem esconder as divergências que nós temos, inclusive porque somos de partidos diferentes. Existe divergência, inclusive, com relação à avaliação do que é o próprio Kalil, do que é o próprio Alexandre Silveira, inclusive como um senador que acabou de não assinar a CPI do MEC, e nós somos a favor da CPI do MEC que foi proposta agora no Senado, inclusive a partir do que foi a proposição do senador Rodolfe ,Rodrigues que é da Rede, que faz parte da nossa federação. Então, essas diferenças não podem ser escondidas.

Nesse diálogo com Lula e com o próprio PT, quem é quem? Não vamos deixar de falar nas nossas diferenças e isso nós estamos apresentando através das nossas candidaturas, seja da professora Lorene Figueiredo, professora da UFJF, seja da nossa candidatura ao Senado, que tem essa característica de ser a única candidatura de esquerda.

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