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No cenário atual, existem diversas questões relacionadas à comunidade trans que precisam ser tratadas com responsabilidade e políticas públicas. Uma deles é o ambiente de trabalho formal no Brasil, no qual essa parcela da população ainda enfrenta barreiras significativas.
Felipe Batistão, especialista em questões de sexualidade e gênero da Diversitera, aponta os principais desafios enfrentados pela comunidade trans no mundo corporativo e reflete o que precisa mudar para que a inclusão deixe de ser apenas discursiva e se torne uma prática efetiva.
“Embora muita coisa tenha melhorado em razão da consistência de ações conduzidas por diferentes agentes sociais, temos diversos pontos de atenção para mudar quadros, cuidar da manutenção desses avanços e impedir retrocessos”, comenta Felipe.
De acordo com o especialista, são eles:
- As violências sofridas por pessoas trans, com reiterados episódios de injúria e discriminação nos espaços convivência coletiva, o que inclui o trabalho;
- Muitos ambientes corporativos ainda hostis para pessoas trans, com ausência de protocolos para identidade de gênero e sexualidade, o que nos leva a situações de invalidações, como a falta do reconhecimento do nome social do colaborador(a);
- A exclusão educacional, com alta evasão escolar das transgêneras e consequente esvaziamento de universidades e outros espaços acadêmicos, o que impacta a ascensão a vagas que exigem mais qualificação;
- As barreiras legais e burocráticas em razão da divergência de documentos ou não previsão de direitos e benefícios também se impõem;
- O blecaute de dados, a falta de representatividade e proporcionalidade em diferentes segmentos e níveis hierárquicos;
- A saúde mental comprometida pelas diferentes pressões sociais, além do medo da violência e outras inseguranças permanentes.
O profissional salienta que é necessário o estabelecimento de uma cultura inclusiva, consistente, coerente e contínua. Isso só acontece se as empresas entenderem diversidade e inclusão como valores praticados cotidianamente, o que nem sempre se verifica.
“Desconsiderar isso torna as iniciativas cosméticas e, portanto, ineficientes para suprimir barreiras que impactam gerações de pessoas trans. Muitas organizações atuam em descompasso com políticas públicas, estando, portanto, alienadas sobre outros direitos importantes, como o uso de nome social, retificação de documentos, matrimônio, tratamentos de saúde e outros”, reforça o profissional.
Panorama da população LGBTQIAPN+ no mercado de trabalho brasileiro realizado pela Diversitera aponta que pessoas LGBTQAIPN+ são 10,1% da força de trabalho ocupada no Brasil. Pessoas trans, por sua vez, são 0,8%.
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Na visão do expert, a escolarização e o acesso à qualificação profissional são medidas fundamentais, uma vez que influenciam as chances de empregabilidade da população trans. Esse impacto acontece em múltiplos níveis: econômico, social, psicológico e simbólico.
“Vivemos em um mundo capitalista, neoliberal, que reforça um ciclo causal: em geral, quem tem diploma tem mais oportunidades, quem tem mais oportunidades, por sua vez, tem a possibilidade de acessar mais renda e, assim, uma vida mais digna. Parece uma receita de bolo, porém, para alguns grupos, é mais difícil acessá-la e segui-la à risca do que para outros”, comenta Felipe.
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O mês do orgulho LGBTQIAPN+ é comemorado em junho, sendo 28 de junho o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+
Getty Images
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Esta data é uma referência à Revolta de Stonewall, que ocorreu em 1969, em Nova York
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A comemoração do mês do orgulho e do Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+ é uma forma de celebrar a diversidade e reivindicar direitos e igualdade para a comunidade
Reprodução/X
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O mês do orgulho também serve como um período para conscientizar a população sobre a importância de combater o preconceito e garantir uma sociedade mais inclusiva e respeitosa
Igo Estrela/Metrópoles
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A visibilidade da comunidade LGBTQIAPN+ durante o mês do orgulho ajuda a quebrar o silêncio e o preconceito e a promover a inclusão
Hugo Barreto/Metrópoles @hugobarretophoto
O especialista destaca que os desafios para a população trans cumprir essa lógica são vários, e vão das renúncias por sobrevivência até outros pontos relevantes. Um exemplo são os altos índices de evasão escolar e quadros de retração social devido aos meios hostis (casa, comunidade, escola, religião…), comprometendo possibilidades de acesso ao mercado formal, sem que sequer tenham preparo para seletivas com provas, entrevistas, dinâmicas e outros requisitos.
“A consequência disso é informalidade, ficarem restritas aos níveis técnicos ou aos chamados subempregos”, emenda.
Ele prossegue alegando que é preciso investir em pessoas trans desde a educação básica, para cuidar da sua formação, dos seus potenciais, o que inclui todas às áreas da vida.
Em entrevista anterior à coluna Pouca Vergonha, a deputada federal Erika Hilton (PSol-SP) comentou sobre a importância da escolarização da comunidade trans. “Apesar de hoje haver um forte movimento anti-acadêmico no Brasil, prega que o diploma universitário já não é garantia de uma boa vida, para uma pessoa trans, ele pode significar um trabalho especializado, e a oportunidade de expandir seus rumos e futuros para além da marginalidade, da prostituição ou do subemprego.”
Para a parlamentar, consequências disso seriam desde a redução de desigualdades até o aumento da expectativa de vida da população trans. “Uma política de cotas para pessoas trans bem pensada, aliada a uma maior democratização das vagas de ensino superior, para todas as pessoas, tem um potencial incalculável para a formação do Brasil em um país mais justo e equânime.”