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Um dossiê elaborado para a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Violência Contra Pessoas Trans e Travestis na Câmara Municipal de São Paulo indica que mais de 60% das pessoas transsexuais em tratamento com hormônios já foram afetadas pela falta de medicamentos nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) da capital paulista.
O documento sobre a hormonização em São Paulo foi produzido pelo gabinete da vereadora Erika Hilton (PSOL), que preside a CPI. A terceira sessão da investigação estava marcada para esta sexta, mas foi adiada.
O relatório foi elaborado com uma pesquisa feita entre os dias 21 de setembro e 21 de outubro, com 61 homens e mulheres trans, travestis e pessoas não binárias (que não se identificam exclusivamente com nenhum gênero), que recebem acompanhamento médico do Sistema Único de Saúde (SUS) na cidade.
Segundo o levantamento, 62,3% do grupo entrevistado disse que já foi afetado pela falta de hormônios nas unidades de saúde que frequentam, sendo que os medicamentos mais citados foram o Valerato de Estradiol, também conhecido como Primogyna, utilizado pelas mulheres trans e travestis, e o Hormus, utilizado na hormonioterapia por homens trans.
Aqueles que já enfrentaram este problema informaram que ficaram sem tratamento, tiveram que recorrer à rede privada, buscaram outro posto de saúde ou compraram os medicamentos por conta própria.
Dos 30 homens trans que participaram da pesquisa, 13 foram afetados pela falta de hormônios; entre as 17 mulheres trans, 14 não encontraram os medicamentos nas unidade de saúdes que frequentam.
Das 6 pessoas não-binárias que participaram do estudo, 4 foram afetadas pela falha. Entre as 8 travestis, 7 relataram o problema.
O mandato da vereadora questionou a Prefeitura de São Paulo por meio de ofícios.
A Secretaria Municipal de Saúde informou ao gabinete de Erika Hilton que estava com dificuldade na aquisição do estradiol por falta de insumo no mercado, e que optou pela substituição pelo 17-beta-estradiol.
Com relação à testosterona, a pasta informou quando questionada que havia acabado de receber novos lotes e que estava em processo de distribuição.
UBS Santa Cecília, na região central de São Paulo, oferece serviço de referência em hormonioterapia para pessoas trans — Foto: Google Maps/Reprodução
Atendimento também em falta
O dossiê também se debruçou sobre as unidades que prestam atendimento de hormonização no SUS na cidade de São Paulo.
Como o g1 mostrou no início do ano, a Prefeitura de São Paulo diz que oferece o tratamento em dezenas de UBSs, mas a única que realmente cumpre as orientações do chamado “fluxo de hormonização” estabelecido pelo Ministério da Saúde é a UBS Santa Cecília, na região central da capital.
O levantamento feito pelo gabinete da vereadora Erika Hilton também identificou que, embora a gestão municipal diga que o atendimento é prestado em 31 unidades de saúde, o serviço é concentrado em 5:
- Ambulatório sediado na UBS Santa Cecília;
- Ambulatório sediado na UBS República;
- Centro de Referência ao Tratamento de IST-AIDS;
- Centro de Saúde Escola Butantã;
- Centro de Saúde Escola Barra Funda.
Esta falta de capilaridade prejudica especialmente a população trans e travesti das regiões mais periféricas - das 61 pessoas que participaram da pesquisa, somente 16,39% residem no Centro do município, onde ficam as UBSs Santa Cecília e República, referências no atendimento.
Faltam médicos especialistas
De acordo com a portaria 2.803 de 2013 do Ministério da Saúde, que ampliou o programa implementado em 2008, o Processo Transexualizador do SUS não trata a hormonização apenas como um serviço de aplicação de hormônios.
O Processo Transexualizador do SUS demanda um ambulatório formado por uma equipe de clínico geral, endócrino, enfermeiro, assistente social, psicólogo ou psiquiatra, todos capacitados para atendimento às pessoas trans.
Outro aspecto pendente identificado pelo relatório é justamente que muitas das 31 UBSs da capital que deveriam realizar o atendimento à população trans e travesti não possuem profissionais treinados: em nenhuma delas havia um endocrinologista dedicado ao serviço, exceto a unidade da República e o Centro de Saúde Escola Barra Funda.