Idealizado por mulher trans, concurso de Miss e Mister incentiva autoestima e inclusão de pessoas com HIV - Globo.com

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Foi justamente pensando nessa parcela da população e acreditando que a autoestima é chave de muitas portas, que uma mulher transexual de Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo, resolveu criar o 1º Concurso Miss e Mister Pessoa Vivendo com HIV/Aids do país.

Realizado nesta semana, o evento reuniu 24 candidatos de diferentes perfis, mas todos com um mesmo propósito: mostrar que quem convive com a infecção pode e deve estar inserido nos diversos setores da sociedade, inclusive, servindo como inspiração.

A iniciativa partiu da ativista Nathy Kaspper. Ela é também presidente da Todos por Itaquá, organização LGBTQIAP+ que oferece assistência às pessoas com HIV, e educadora no Instituto Vida Nova, de São Miguel Paulista.

Nathy conta que convive com pessoas com o diagnóstico e acabou percebendo a necessidade de incentivá-las na autoconfiança. Porém, mais do que se preocupar com a beleza exterior, a proposta buscou enxergar aqueles que podem dar voz à causa.

Nathy Kaspper, de Itaquaquecetuba, é a idealizadora do concurso — Foto: Osmar Silva/Divulgação

“Fui convidada para ser jurada em um concurso do Estado de São Paulo, o Miss Diversidade e me deu essa lampadazinha. Pensei: 'trabalho numa ONG de inclusão e vou pesquisar, montar um projeto de miss'. Levei pro meu coordenador e percebemos que o Brasil não tinha nada nessa dimensão”.

“É pra mostrar que pessoas com HIV também estão inseridas na sociedade, precisam de respeito e de equidade. Deixa a beleza plástica pros outros concursos. Aqui a gente quer desconstruir e pensar em um lado positivo de inclusão”, ressalta a idealizadora.

A cerimônia foi promovida pelo Instituto Vida Nova na terça-feira (6), no Itaim Paulista. “A gente atua muito no centro de São Paulo, porque atua com a coordenadoria Estadual de DST. Essas pessoas vão atuar na inclusão social dessas esferas”, explica.

Ainda de acordo com a organizadora, a atividade integra as ações do Dezembro Vermelho, mês de conscientização sobre o HIV, a Aids e outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST).

Eleita Miss PVHA, Stella Morais tem 52 anos e convive com o HIV há 23 — Foto: Stella Morais/Arquivo Pessoal

Entre os concorrentes, pessoas de todo o Brasil. Muitas com histórias que atravessam décadas e retratam a evolução na luta contra o HIV/Aids, como é o caso dos vencedores Stella Morais, de 52 anos, e Beto Volpe, de 61.

“Foi maravilhoso esse encontro que me proporcionaram. Acredito que as portas também abrirão pra me ajudar. Quero mostrar que é uma luta, mas que não devem se esconder. Que quem tiver esse diagnóstico precisa procurar ajuda”, diz a primeira Miss PVHA.

Mulher transexual de Guaratinguetá, no Vale do Paraíba, Stella convive com o HIV há 23 anos. Ela conta que precisou de mais de uma década para se aceitar como pessoa soropositiva. Neste processo, se isolou. Hoje vê no título de Miss uma oportunidade para se libertar.

“No passado, me afastei de tudo e de todos. Me afastei por causa do preconceito. Minha cidade é pequena, as pessoas não entendiam. Foi difícil até pra minha família. O desfile me trouxe essa oportunidade de me libertar, me mostrar ao mundo, mostrar que é possível viver com o vírus, viver bem”.

Beto, de 61 anos, é ativista e escritor — Foto: Beto Volpe/Arquivo Pessoal

De São Vicente, no litoral paulista, Beto também carrega uma história intensa com o HIV. O diagnóstico veio há 33 anos, quando viver bem como soropositivo não parecia ser uma possibilidade. Com a morte de diversos amigos e, especialmente, do ídolo Cazuza, ele chegou a perder as esperanças e caiu nas drogas.

Pouco tempo depois, passou a sofrer com doenças oportunistas e com efeitos colaterais dos chamados "coquetéis". Remédios que, naquela época, não tinham a tecnologia de hoje. Volpe enfrentou uma pneumonia, acidentes vasculares, dois cânceres e mais de 20 cirurgias. Mas, apesar de tudo, ele afirma que venceu sorrindo.

“Eu sempre fui uma pessoa alegre e positiva no enfrentamento das coisas. Imagina eu na escola, baixinho, fresco, quatro olhos e filho da professora. Imagina o que acontecia no intervalo da escola? Pois é. Desde cedo eu aprendi que o mundo não era lugar seguro”.

“Acho que, de alguma forma, tudo isso que passei me ajudou na visibilidade dessa luta contra o HIV. Isso me ajudou a reescrever a minha vida. Hoje eu me autodenomino um radical livre”, brinca Beto.

Coroado, Beto Volpe agora espera que sua vivência vire ensinamento. “Passar esses conceitos de viver bem com HIV, mas também da necessidade de prevenção. Falar de HIV é complicado, porque não dá pra dizer que eu tenho e está tudo ótimo. A gente tem que ter ponderação.

“Mas também não dá pra falar só que a Aids mata, porque isso tira a autoestima. Então eu espero, que esse período de um ano, eu possa levar essas mensagens de melhores dias pra essa pessoa soropositivo que está deprimida e também orientar quem quer levar uma vida sexual saudável”.

“Com esse título vou poder ajudar mais as pessoas que convivem com o HIV, além de outras doenças que podem estar relacionadas. Minha vocação é essa, ser voluntária, principalmente nessa área. Quero mostrar que todos são capazes de chegar onde cheguei”, conclui Stella.

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