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A trajetória de Leilane Assunção, uma das primeiras mulheres transexuais doutoras do Nordeste, inspira o curta-metragem “Transcedendo Fronteiras”, que será lançado no dia 27 de agosto, às 19h, no Auditório do LABCOM (DECOM/UFRN). A obra, contemplada pela Lei Paulo Gustavo, reúne histórias de resistência e afirmação de figuras centrais na luta travesti e transexual no Rio Grande do Norte e no Brasil.
No elenco, nomes como Dediane Souza, defensora dos direitos humanos; Jacqueline Brasil, presidenta da Rede Atrevida e referência histórica no RN; Jeniffer Rocha, primeira mulher transexual sem-terra a ter nome e gênero reconhecidos oficialmente no estado; Janaina Lima, primeira travesti gestora pública do RN; e Wanja Celine, primeira mulher trans potiguar a realizar cirurgia de afirmação de gênero pelo SUS. Mais do que um filme, a obra é rito, celebração e afirmação do direito à memória.
A direção e roteiro é da antropóloga Sol Alves, que chegou a Natal em 2023 para cursar mestrado no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFRN, após ser aprovada no primeiro edital específico para travestis e transexuais da instituição. Em entrevista ao Saiba Mais, ela falou sobre o processo criativo, o impacto esperado e a importância da preservação da memória trans e travesti.
“A trajetória de Leilane me atravessou”
Segundo Sol Alves, a inspiração para o filme veio da urgência de lembrar e celebrar as que abriram caminhos:
“Vim para Natal em 2023, após ser aprovada no primeiro edital específico para travestis e transexuais do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFRN. Sou antropóloga e me dedico a pesquisar a memória da população transexual e de travestis. Movida pela emergência de ocupar espaços onde nossa presença foi historicamente negada, percebi o compromisso de lembrar quem veio antes. A trajetória de Leilane Assunção me inspira e, mesmo sem conhecê-la pessoalmente, suas histórias atravessaram gerações e políticas de ações afirmativas. Isso motivou a criação de um curta que coloca sua memória em diálogo com a coletividade, reunindo amigas e companheiras com histórias potentes e transformadoras”, relembra.
O documentário nasce também como parte da pesquisa de mestrado da diretora.
“O processo também faz parte da minha dissertação, na qual trabalho com o conceito de política de memória, que é o conjunto de ações e práticas que reconhecem, preservam e valorizam as memórias de grupos historicamente marginalizados, garantindo sua presença e visibilidade no presente. Durante a pesquisa, acompanhei diversos programas dos quais Leilane fez parte, sempre aguerrida, mas também demonstrando cansaço diante da transfobia institucional. No filme, optei por não focar apenas na violência, mas no agradecimento a quem antecedeu políticas fundamentais, que hoje garantem minha permanência na UFRN e possibilitam que tantas outras pessoas travestis e transexuais também possam acessar e permanecer nesse espaço acadêmico. Inclusive, o Saiba Mais também foi uma fonte importante da minha pesquisa, pois Leilane mantinha uma coluna onde refletia brilhantemente sobre diversos temas.”
UFRN como território de disputa e permanência
A diretora também destacou o papel da universidade na trajetória de Leilane e nas de tantas outras pessoas trans e travestis que hoje ocupam esse espaço:
“Foi na UFRN que Leilane conseguiu trilhar sua trajetória de dores e alegrias. Pensar sua trajetória, de certa forma, é pensar na minha própria e na de tantas outras que hoje estamos na UFRN: no meu programa em Antropologia Social somos seis travestis e um homem trans. Tive acesso à UFRN por meio de uma política de ação afirmativa pioneira do Programa de Pós em Antropologia, em 2023. Não é possível pensar esse espaço apenas no presente; é preciso retornar e perceber em quais dimensões estou inserida.”
Impactos esperados
Sobre o que espera com a obra, ela fala: “Na minha comunidade, eu espero que seja de abraço, de irmandade, e que possamos construir coletivamente o mundo que desejamos, tanto trazendo à tona trajetórias das que já se encantaram quanto das que estão nessa luta diária”, afirma.
Futuro da memória travesti
A diretora ressalta a importância da continuidade de políticas públicas que garantam o fomento para produções como essa:
“É preciso criar mais fomento como este, pelo qual fui contemplada pela Lei Paulo Gustavo, que incluiu políticas afirmativas tanto para mulheres cisgêneras quanto para travestis e transexuais. Dessa forma, foi possível a criação deste filme. Quero mais oportunidades e que se criem mais políticas afirmativas para a população trans e travesti e mulheres cisgêneras, para que possamos construir nossas próprias narrativas.”
O que levar do filme
Por fim, Sol Alves deixa um recado ao público:
“Que nenhuma de nós sejamos esquecidas, pois nada foi dado, tudo foi conquistado através de muita luta. Se hoje eu, assim como outras irmãs travestis, podemos sonhar com um doutorado, é preciso lembrar todas aquelas que abriram caminhos. Suas histórias, por mais que queiram esquecê-las, não são apagadas, pois carregam forças muito fortes.”
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