Fernanda Telles, a travesti que virou referência gastronômica e de acolhimento na Maré

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Ao entrar no aconchegante Espaço Fernanda Telles, no Morro do Timbau, no Complexo da Maré, Zona Norte do Rio, o cheiro de tempero caseiro e de comida fresca toma conta. O ambiente, simples, mas acolhedor, foi pensado por Fernanda como um lugar de afeto, de cuidado e, acima de tudo, de resistência para ela e tantas outras.

Fernanda é dona de uma cozinha que virou referência não apenas pelos pratos saborosos, como suas tortas salgadas, empadões e bolos caseiros, mas pela força de quem construiu tudo isso do zero, enfrentando uma série de barreiras impostas pela transfobia, pela pobreza, pela violência e pela exclusão social.

Meu espaço não é só uma cozinha, é um refúgio. Aqui é pra quem não se sente confortável em muitos lugares. Aqui tem acolhimento, tem afeto, tem história. E tudo isso vem da comida”, conta Fernanda.

O reconhecimento não demorou a chegar. Fernanda venceu o concurso Comida de Favela, disputando com outros estabelecimentos da Maré, todos mais estruturados. E foi ali, quando anunciaram que uma travesti preta, favelada e sem formação acadêmica havia conquistado o primeiro lugar, que muita gente passou a olhar para ela com outros olhos. “As pessoas pensaram: ‘Ué, esse concurso deu primeiro lugar pra uma travesti preta? Alguma coisa boa tem aí’.”

Foto: Divulgação/Comida de Favela 2024

Mas por trás desse empreendimento de sucesso, há uma trajetória marcada por dores, preconceitos e muita luta. A cozinha, que hoje é sua paixão, foi também sua salvação.

A força de Fernanda Telles nasce das dores da exclusão

Fernanda começou na cozinha não por escolha, mas por necessidade. Passava as tardes escondida na cozinha da casa onde sua mãe trabalhava como faxineira. “Ficava ali, no cantinho, olhando minha mãe cozinhar. Foi assim que aprendi, observando.

Ao se assumir travesti, Fernanda foi empurrada para os caminhos forjados para muitas travestis periféricas no Brasil: a prostituição, a informalidade, a marginalização. Mas, em sua trajetória, houve ainda um capítulo que quase a tirou de vez: a dependência do crack.

Na época, não tinha onde morar, não tinha ninguém pra mim. E eles me ofereciam dinheiro, casa, comida. Até que eu conheci o crack…”, relembra, sem abaixar o olhar. Foram anos mergulhada no uso pesado, chegando ao fundo do poço, perdendo tudo: móveis, dignidade, autoestima. “Quando olhei, só tinha eu e as paredes. Nem tapete tinha mais.”

Foto: Vilma Ribeiro/Voz das Comunidades

Ainda assim, mesmo quando muitos davam ela como perdida, ela não se deu por vencida. “Eu só queria o que qualquer pessoa quer: um lar, uma cama, um cantinho pra chamar de meu.” E foi exatamente desse desejo que ela começou a reconstruir sua vida.

O início da volta por cima

Sem oportunidades formais, rejeitada por empregos e pela própria família, Fernanda encontrou na cozinha o caminho da transformação. Começou com pequenas vendas: cachorro-quente, empadão e feijoada. As encomendas foram crescendo, assim como sua reputação.

Graças ao apoio de projetos como Conexão G, Casa das Mulheres da Maré e redes de empreendedorismo social, Fernanda conseguiu acessar capacitações, mentoria e até aportes financeiros que permitiram transformar sua cozinha num negócio estruturado. O investimento inicial permitiu reformar o espaço, comprar equipamentos e, principalmente, profissionalizar o serviço. “Eu não tinha piso. Era na massa corrida. O dinheiro não terminou tudo, mas começou.”

Foto: Vilma Ribeiro/Voz das Comunidades

Hoje, o negócio de Fernanda não é apenas um local para comer. É um espaço de acolhimento para quem, como ela, muitas vezes não se sente confortável em outros ambientes. “Sabe o que é entrar numa sorveteria e ser constrangida? Aqui não tem isso. Aqui, todo mundo é bem-vindo.

O reconhecimento dos clientes, das redes de apoio e até da própria comunidade que antes a rejeitou, hoje é visível. Mas ela faz questão de lembrar que o caminho ainda é de luta diária. “Ser empreendedora LGBT na favela é ser tudo numa pessoa só. Não tem pra onde correr. É comprar, fazer, vender, limpar… É você e Deus.”

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