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Volto a escrever por aqui depois de um mês. As últimas semanas foram de trabalho intenso na cobertura do São Paulo na final da Copa Sul-Americana e, depois, uma enorme angústia pelo período em que passamos.
Em um dos meus artigos cheguei a dizer sobre esse sentimento de nebulosidade a respeito do futuro das coisas por aqui, envolvendo o futebol e também o momento de definição do caminho que vamos seguir daqui para frente como nação. Talvez o sentimento de nebulosidade tenha se transformado em incredulidade e, de alguma forma, isso chega a me paralisar.
Confesso que a escrita é uma das grandes coisas que eu me proponho a fazer de peito aberto. Em alguns períodos da minha vida deixei de escrever com frequência, sabendo que meu coração sempre falaria mais alto, quando não deveria. Sinto que os últimos dias vêm tendo o mesmo peso desse período em que me ausentei um pouco das palavras. Mas dessa vez é como se eu pudesse sentir que muitos estão na mesma situação que a minha.
Honestamente, hoje, sentar para escrever ou até mesmo parar para falar com as pessoas que me cercam me transformam em um ser humano de uma nota só. Eu quero poder falar sobre a final da Copa do Brasil entre as duas maiores torcidas do país. Porém, falar sobre esse duelo me obriga a falar de arbitragem, que me obriga a falar de como o VAR, na minha visão, vem sendo usado em diversos casos como uma ferramenta de manipulação, quando deveria ser utilizado como um auxílio de checagem que aproximasse as decisões de uma certa justiça.
Se antes o árbitro errava dentro de campo com a desculpa de ser humano, agora, a máquina que deveria auxiliar para um acerto é vista como arma para transformar o erro crasso em uma decisão correta.
Os dirigentes de todos os grandes clubes costumam ser parecidos. O futebol é um meio retrógrado, conservador, machista, homofóbico, racista, egoísta e um antro de gente com o caráter duvidoso. Isso no Corinthians, que, aliás, já foi acusado de ser beneficiado tantas vezes pelas arbitragens, e no Flamengo, que saiu "vitorioso" de um erro que considero absurdo do VAR na última quarta-feira, na Neo Química Arena. Não há vilões ou heróis, mas há momentos em que se pode questionar os motivos de as situações serem como são, ou como foram.
O Flamengo (e não só o Flamengo) sempre se colocou ao lado de um presidente que se mostrou absolutamente irresponsável na pandemia, e de uma CBF que chafurda no lixo de todos os dirigentes que passaram por ela. Não há nada que indique que isso tenha influenciado de alguma forma na decisão do árbitro de vídeo, e eu prefiro acreditar em falha humana. Só que as relações próximas dos clubes com o poder sempre vão dar motivos para quem quiser suscitar dúvidas, seja a favor do Flamengo, do Corinthians, do Cruzeiro ou do Palmeiras.
Da minha parte, e indo além no pensamento, achei que a praga da pandemia acordaria aqueles que pareciam anestesiados, nos deixando melhores como seres humanos. Achei também que o VAR melhoraria o futebol. Chego a conclusão que nada melhorou. Só pioramos.
Num tom ameno, de quase brincadeira, tenho dito nos últimos dias que é preciso criar uma frente ampla de torcedores do futebol brasileiro, em prol de uma arbitragem justa e democrática. E essa frente vai precisar da abdicação momentânea do clubismo de cada um para admitir quando um rival é prejudicado diante de uma atrocidade cometida pela arbitragem, validada por uma ferramenta de checagem.
Não sei qual foi o exato momento da minha vida que passei a ter posicionamentos sobre aquilo que me cerca e afeta outras pessoas. Me posicionar já me tirou emprego, já me tirou prestigio, admiradores, seguidores, amigos e a vontade de conviver com familiares que juram querer o meu bem, mas seguem por caminhos completamente diferentes do que eu proponho nas minhas falas, escritas e atitudes.
Sendo completamente honesto com você, leitor que chegou até aqui, eu não consigo mais conceber com aqueles que fingem se importar, mas não estão nem aí. Gente que sorri e abraça minha irmã, uma mulher transexual, e na urna vota pela eliminação dela, na representação de uma figura que, desde o primeiro momento, prega contra tudo o que foge ao costume estabelecido por uma sociedade heteronormativa violenta.
Eu quero pacificar o país, pacificar meu coração que grita, mas para isso eu preciso não aceitar que alguém generalize as pessoas da favela, não sugira sem saber que meninas de 14 anos sejam trabalhadoras sexuais, não menospreze uma pandemia e a vida das pessoas tentando enfiar goela abaixo da população medicamentos sem comprovação científica e nem esconda seus segredos com sigilos de 100 anos e orçamentos secretos.
Eu quero voltar a falar de futebol sem precisar cair no mesmo assunto. Eu quero voltar a olhar para as pessoas e não achar que o voto delas é uma apunhalada nas nossas costas.
Me perdoem por usar esse espaço para um desabafo. Mas eu não aguento mais.
Foto: Rodrigo Coca/Agência Corinthians