Crítica | Transversais (2021): um mundo transexual de amor - Cinema Com Rapadura

3 years ago 1603
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O Brasil ocupa o primeiro lugar como o país que mais mata pessoas trans no mundo, e o dado parece ser sempre recente, independente de quando a pesquisa tenha ocorrido. Ou seja, 2021, 2020, 2019… Ao contrário do restante do planeta, ações contra esse tipo de atrocidade não parecem fazer parte da pauta governamental, e isso fica evidente quando um projeto como este “Transversais” surge, agarrando-se a oportunidades tão limitadas como um edital porque não há outro estímulo igualmente forte para o audiovisual do país. Até que o projeto é vetado porque ele trata de um tema que pouco importa para o presidente: a vida de pessoas trans.

O que mais incomoda nisso tudo é que, além de não haver estímulo, há a contraposição. Por isso, o trabalho feito por Emerson Maranhão, que dirige e escreve o filme, consegue alcançar resultado tão positivo. Porque ali está a força criativa, técnica, narrativa e social de um cineasta que encontrou belíssimas histórias para serem contadas, mas que precisou lutar muito mais para que isso acontecesse simplesmente pelo estado de existir de suas histórias. Então, o que era uma minissérie transformou-se em um longa documental, e o resultado é digno de aplausos.

Aqui, o espectador vai conhecer cinco histórias de vida tão diversas quanto fundamentais. As histórias são universais, e o fato de levarem o espectador ao Ceará demonstra como a cultura brasileira é vasta e, portanto, precisa ser evidenciada em toda sua extensão. E é isso o que Maranhão faz, ao conduzir suas histórias entrecortadas por depoimentos emocionantes, tanto dos próprios retratados quanto de quem convive com eles. Assim, são cinco os pilares de “Transversais”: Érikah, Samilla, Caio José, Kaio Lemos e Mara, mãe de Lara.

Érikah é professora de matemática, e hoje é diretora de uma escola cujo olhar a ela não encontrou, em diversos momentos, o maior de seus problemas no comportamento de alunos, e sim de seus colegas docentes. Samilla, então, é funcionária pública e transmite ao espectador a força de suas atitudes através de seus depoimentos, sobretudo quando familiares estão envolvidos, que é o que acontece com Kaio Lemos, estudioso e pesquisador acadêmico, quando ele conta sobre o comportamento de sua mãe, por exemplo, ou com Caio José, socorrista que trabalha em dois empregos e que teve sua existência definida, diversas vezes, pelo julgamento dos outros, e não por quem ele é. Por fim, Lara é uma jovem que teve a base de seus pais para compreender quem de fato é, e ela faz isso não porque foi estimulada, e sim porque sentiu-se acuada a vida inteira até o momento em que Mara, sua mãe, esteve ao seu lado.

Mas, o que tanto comove neste documentário é que os depoimentos são pautados por dois parâmetros: a existência de cada pessoa e suas ocupações. Ou seja, pela individualidade que permite a cada um ter a liberdade de ser quem é, e o quanto isso é interferido, quando não tolhido, por uma sociedade que não enxerga além de dogmas e parâmetros cruéis e limitadores. Aqui estão cinco pilares que, com classes sociais, origens e até mesmo credos tão diferentes, se abraçam por pertencerem ao fato de terem, em comum, a transexualidade como parte de suas vidas.

Porém, muito mais do que colher depoimentos e apresentá-los em uma montagem fluida e leve, Maranhão é hábil ao criar um aspecto enorme para o seu trabalho. O filme inteiro é pautado na vida daquelas pessoas e, portanto, na luz que emanam porque enxergam a metade cheia do copo. A fotografia permite que as cores entrem nos olhos do espectador, e que as atitudes retratadas sejam como fonte de inspiração para o mundo inteiro, pois o tema é mesmo universal – e a escolha dessas pessoas demonstra como diferentes realidades podem ser encontradas permeando a mesma força: a resistência de existir.

Além disso, “Transversais” entrega sucessivos atos de amor, o que faz de seu arco principal um afago inspirador. Com os depoimentos dessas pessoas, o documentário traz a importância de uma base sólida para se apoiar, seja do que seja feita, e do quanto a vida é repleta de propósitos. Como o pai de Lara tão bem falou, não existe família ou amigos quando a relação é feita de ódio, e não existe justificativa que permita a um ser humano subjugar outro, seja ele anônimo ou o presidente da república.

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“Transversais” fez sua estreia na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

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