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O feminismo é a união de diversos movimentos, com embasamento político, social, ideológico e filosófico, que buscam desconstruir o machismo e os efeitos do patriarcado sobre a sociedade. A ideia é única: a tão sonhada igualdade de gênero, que é conquistada a partir do empoderamento das mulheres e a libertação de questões normativas ligadas ao gênero. Homem pode isso, mulher pode aquilo? Não para as feministas. Mas e o transfeminismo?
Em um contexto de muitas lutas que se cruzam, este é um braço importante de uma luta que é comum entre mulheres cisgêneras, isto é, que estão contentes com o próprio gênero biológico, além das transexuais e travestis. Isso porque a luta da mulher "cis" pode estar relacionada à luta da mulher trans, mas existem especificidades entre ambas militâncias.
Daí surge a necessidade de estudar Simone de Beauvoir, que definiu que o gênero é construído em um contexto social, e não de forma meramente biológica. "A mulher não nasce mulher, torna-se mulher", definiu Simone. Mas aí chega à professora universitária Letícia Carolina com uma nova forma de enxergar as coisas.
Letícia Carolina, professora da UFPI, escreveu livro sobre o transfeminismo. Crédito: Wilkerson Araújo.
Letícia é escritora, pedagoga, professora e pesquisadora da área de Gênero e Educação, natural de Parnaíba, litoral do Piauí. Ela foi a primeira mulher travesti a se tornar professora da UFPI, e é uma das grandes referências contemporâneas sobre o transfeminismo. Ela escreveu o livro "Transfeminismo na Coleção Feminismos Plurais", um verdadeiro clássico sobre o tema ainda pouco explorado.
Letícia explica que o é o feminismo pensado a partir da realidade de travestis, mulheres transexuais e pessoas trans de maneira geral. "É uma perspectiva que pensa o feminismo, pensa historicamente as pautas feministas, às demandas políticas das populações trans. E as formulações teóricas e epistemológicas. O transfeminismo não nega o feminismo. Ele se insere e amplia as possibilidades políticas", completa.
O que diferencia os dois movimentos
Existe uma diferença entre o feminismo e o transfeminismo. O feminismo é um movimento político e epistemológico mais amplo, que agrega a luta de diversas mulheres e pessoas que se identificam com a identidade feminina e com a opressão operada pelo machismo, o patriarcado e a chamada cisheteronormatividade.
Travesti, sim!
A cisheteronormatividade é o modelo convencional de homens e mulheres, com gênero definido de forma puramente biológica, que impõe limitações às demais identidades existentes. A professora Letícia Carolina explica que dentro do feminismo existem diversas correntes.
"Existe o feminismo negro, o feminismo lésbico. O feminismo é um grande guarda-chuva que abriga diversas lutas e o transfeminismo se insere dentro disso. As pautas dialogam. A pauta feminista sobre a autonomia do corpo é percebida diferente por mulheres negras, trans, brancas. Uma mesma pauta tem significados diferentes a partir das experiências das mulheres", afirma.
O preconceito ainda é uma dura realidade para transexuais e travestis.
"As pessoas têm uma dificuldade porque nos acostumamos com a ideia de que nascemos homens e mulheres. Não percebemos que há um processo cultural, histórico e social sobre as identidades de gênero. Não sou apenas eu que me tornei mulher. Qualquer mulher se torna mulher", explica Letícia.
A professora universitária afirma que as identidades de gênero são construídas ao longo da vida.
"A gente não nasce com essa identidade, a gente vai construindo. Todo mundo passa por esse processo de construção de identidade. As pessoas não entendem a construção da própria identidade e de outras pessoas. Todo mundo constrói a própria identidade de gênero. As pessoas pensam que nosso gênero é artificial, é falso. As pessoas não entendem", acrescenta.
Travesti, sim!
As travestis carregam no termo que as define uma consciência política muito forte. Linn da Quebrada, por exemplo, se define como travesti. Para reforçar isso, a ex-participante do reality show, Big Brother Brasil, tatuou o pronome "ela" na testa. E ainda assim sofreu de comentários transfóbicos dentro da "casa mais vigiada do Brasil".
Linn da Quebrada "quebrou" paradigmas. Crédito: Reprodução/Rede Globo.
É o que explica Letícia Carolina.
"O termo travesti tem uma carga histórica dentro do movimento. Mulher trans ou mulher transexual tem outra trajetória. Hoje, atualmente, algumas pessoas têm usado o termo transfeminina, para demarcar que vivem dentro de uma feminilidade sem se considerar mulher. Esses termos vão sendo criados a partir das identidades que as pessoas, coletivamente, vão construindo", aponta.
A ocupação das mídias é estratégica na luta contra o preconceito.
"A Linn da Quebrada em um programa de grande repercussão nacional possibilita que as pessoas percebam que travestis são pessoas comuns. Elas têm sonhos, choram, se divertem, trabalham. Pessoas trans ou da cena queer, de modo geral, estão nas mídias, como Gloria Groove e Pablo Vittar, possibilitam que tenhamos um contato. As pessoas têm medo de entrar em contato com as diferenças. É preciso conhecer e entender as alegrias e dores", acrescenta.
O que importa é respeitar as pessoas de acordo com a identidade delas.
"O principal não é saber a diferença, é entender como podemos respeitar. Tratar no feminino, o uso do pronome 'ela e dela', por exemplo. Além de usar o nome que a pessoa escolheu", finaliza.