ARTICLE AD BOX
Para o relator da proposta de lei, é inaceitável e revoltante que a defesa da honra seja usada e falha na legislação tem que ser corrigida com urgência. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
A Comissão de Segurança Pública do Senado Federal aprovou o projeto que proíbe o uso da tese de legítima defesa da honra por acusados de feminicídio, nesta quarta-feira 6. De autoria da senadora Zenaide Maia (Pros), a proposta foi relatada pelo senador Alexandre Silveira (PSD-MG) e segue agora para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), conforme a Agência Senado.
O PL 2.325/2021 altera o Código Penal (Decreto-Lei 2.848, de 1940) para excluir os atenuantes e redutores de pena relacionados à violenta emoção e à defesa de valor moral ou social nos crimes de violência doméstica e familiar. Em outra mudança, dessa vez no Código de Processo Penal (Decreto-Lei 3.689, de 1941), a proposta proíbe o uso da tese de legítima defesa da honra como argumento pela absolvição no julgamento de acusados de feminicídio pelo tribunal do júri.
Para Alexandre Silveira, a tese é “ultrapassada e não se concilia com os valores e direitos vigentes na nossa Constituição Federal”. Ele disse ser inaceitável que a defesa da honra seja utilizada em casos de feminicídio e violência contra a mulher e que essa falha na legislação brasileira precisa ser corrigida com urgência.
“É incrível que tenhamos até hoje deixado passar um ponto tão relevante da nossa legislação penal. Hoje, a pena mínima de 12 anos para esse crime cai para oito anos se o juiz acatar a tese de que o criminoso cometeu o fato sob domínio de violenta emoção provocada pela vítima. A pena, assim, poderia chegar a oito anos, o que faria com que esse machista que matou a mulher iniciasse o cumprimento da pena no semiaberto. É revoltante, inadequado e inaceitável”, argumentou Silveira.
Para Zenaide Maia, a vítima passa a ser apontada como a responsável pelas agressões sofridas e por sua própria morte, enquanto o acusado é transformado em “heróico defensor de valores supostamente legítimos”.
“Apesar do repúdio crescente da sociedade a essas práticas, ainda somos surpreendidos com a apresentação de teses obsoletas nos tribunais do país. Argumentos que buscam justificar a violência contra a mulher, inclusive o feminicídio, como atos relacionados à defesa de valores morais subjetivos. Matar porque estava emocionado ou em legítima defesa da honra é uma coisa difícil de acreditar”, disse a senadora.
Crimes em números
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021, houve 1.350 feminicídios e 230.160 casos de lesão corporal em contexto de violência doméstica e familiar em 2020. Nesse período foram concedidas pelos tribunais de Justiça quase 295 mil medidas protetivas de urgência.
STJ aplica Lei Maria da Penha para mulheres trans
Por unanimidade, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que a Lei Maria da Penha seja aplicada aos casos de violência doméstica ou familiar contra mulheres transexuais. Considerando que mulher trans é mulher também, o colegiado atendeu recurso do Ministério Público de São Paulo e determinou a aplicação das medidas protetivas requeridas por uma transexual, nos termos do artigo 22 da Lei 11.340/2006, após ela sofrer agressões do seu pai na residência da família.
“Este julgamento versa sobre a vulnerabilidade de uma categoria de seres humanos, que não pode ser resumida à objetividade de uma ciência exata. As existências e as relações humanas são complexas, e o direito não se deve alicerçar em discursos rasos, simplistas e reducionistas, especialmente nestes tempos de naturalização de falas de ódio contra minorias”, afirmou o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz.
O juízo de primeiro grau e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) negaram as medidas protetivas, entendendo que a proteção da Maria da Penha seria limitada à condição de mulher biológica.
Ao STJ, o Ministério Público argumentou que não se trata de fazer analogia, mas de aplicar simplesmente o texto da lei, cujo artigo 5º, ao definir seu âmbito de incidência, refere-se à violência “baseada no gênero”, e não no sexo biológico.
Relação de dominação
Em seu voto, o relator abordou os conceitos de sexo, gênero e identidade de gênero, com base na doutrina especializada e na Recomendação 128 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que adotou protocolo para julgamentos com perspectiva de gênero.
Segundo o ministro, “gênero é questão cultural, social, e significa interações entre homens e mulheres”, enquanto sexo se refere às características biológicas dos aparelhos reprodutores feminino e masculino, de modo que, para ele, o conceito de sexo “não define a identidade de gênero”.
Schietti ressaltou entendimentos doutrinários segundo os quais o elemento diferenciador da abrangência da lei é o gênero feminino, sendo que nem sempre o sexo biológico e a identidade subjetiva coincidem. “O verdadeiro objetivo da Lei Maria da Penha seria punir, prevenir e erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher em virtude do gênero, e não por razão do sexo”, declarou o magistrado.
Ele mencionou que o Brasil responde, sozinho, por 38,2% dos homicídios contra pessoas trans no mundo, e apontou a necessidade de “desconstrução do cenário da heteronormatividade”, permitindo o acolhimento e o tratamento igualitário de pessoas com diferenças.