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A resolução CFM 2.4270/25, publicada pelo Conselho Federal de Medicina - CFM em 16/04/25, revisa os critérios éticos e técnicos para o atendimento a pessoas com incongruência e/ou disforia de gênero, com o objetivo de orientar os médicos quanto às boas práticas no cuidado específico destinado a esse público, garantindo que o atendimento seja realizado com acolhimento, respeito e responsabilidade.
Logo em seu art. 1º, a norma distingue a pessoa transgênero como aquela cuja identidade de gênero difere do sexo designado ao nascimento, podendo ou não desejar realizar intervenções médicas para alinhar suas características físicas à sua identidade. Essa definição amplia a compreensão sobre o público assistido, considerando diferentes realidades vividas pelas pessoas transgênero.
A ênfase da norma está na observância de um atendimento integral, do cuidado básico ao especializado, bem como em situações de urgência ou emergência, que deve ocorrer sempre em ambiente de confiança, marcado pelo acolhimento e pela escuta qualificada, assegurando a confidencialidade do paciente. Ressalta-se a obrigação do médico em fornecer informações claras, objetivas e atualizadas sobre os tratamentos possíveis, incluindo os riscos, limitações e potenciais efeitos adversos das terapias propostas.
Há a orientação no sentido de que qualquer decisão terapêutica seja fundamentada nas melhores evidências científicas disponíveis, utilizando protocolos reconhecidos e aprovados pelo próprio CFM, sempre em conformidade com as normas éticas vigentes.
A partir deste ponto, a resolução entra numa questão sensível, envolvendo proibições específicas relacionadas ao uso de bloqueadores hormonais e outros tratamentos no cuidado de pessoas com incongruência ou disforia de gênero, especialmente no caso de menores de idade. O art. 5º proíbe o médico de prescrever bloqueadores hormonais para crianças e adolescentes com essa condição, excetuando-se os casos de pacientes que já estão em tratamento. O art. 7º, por sua vez, veda a realização de qualquer tratamento ou intervenção que cause esterilização em pessoas menores de 21 anos, tais como remoção de úteros, ovários e testículos, apoiando esta proibição na lei 14.443/22.
Essas medidas, ainda que fundamentadas em critérios técnicos e éticos definidos pelo Conselho e destinadas a proteger pacientes vulneráveis das possíveis consequências irreversíveis de determinados tratamentos, bem como de eventuais arrependimentos posteriores, encontram resistência entre grupos identitários que, em grande parte, possuem forte engajamento político e social em torno das questões de afirmação de gênero.
Algumas entidades já se manifestaram publicamente questionando as limitações impostas ao acesso a intervenções médicas específicas, gerando tensão e iniciando um embate entre as diretrizes do CFM e as demandas sociais identitárias. Uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 7806) foi proposta pelas entidades ANTRA - Associação Nacional de Travestis e Transexuais e IBRAT- Instituto Brasileiro de Transmasculinidades e aguarda processamento no STF.
A resolução CFM 2.427/25 também prevê que, em casos de arrependimento ou destransição deve ser oferecido acolhimento e suporte ao paciente, avaliando os impactos físicos e mentais desse processo e, se necessário, encaminhando-o a especialistas adequados.
Por fim, estabelece que pessoas transgênero, que mantenham órgãos correspondentes ao sexo biológico, devem realizar acompanhamento preventivo ou terapêutico com profissionais especializados (urologista ou ginecologista), assegurando a continuidade do cuidado integral à saúde.
O cenário atual impõe aos profissionais de saúde o desafio constante de exercer a Medicina em um ambiente cada vez mais permeado por um excesso de informações, por vezes conflitantes e fortemente influenciado por debates políticos e sociais.
A postura conservadora adotada pelo CFM na referida resolução, ao estabelecer limites éticos para intervenções médicas em pessoas com incongruência ou disforia de gênero - sobretudo em menores de idade - pode ser compreendida à luz do 'princípio responsabilidade' formulado pelo filósofo Hans Jonas (1903-1993). Segundo Jonas, a ética deve se orientar não apenas pelo presente, mas sobretudo pelo cuidado com as consequências futuras das ações humanas, especialmente quando envolvem seres vulneráveis ou expostos a riscos irreversíveis.
Nesse contexto, a sociedade e suas instituições devem sopesar os riscos associados às novas técnicas médicas e refletir sobre o futuro bem-estar dos indivíduos, reconhecendo que algumas decisões podem ultrapassar o desejo ou benefício imediato, exigindo prudência e responsabilidade a longo prazo.
A ponderação evidenciada na normativa do CFM, ainda que alvo de resistência social, expressa uma preocupação legítima em evitar danos permanentes e irreversíveis, especialmente em pacientes abaixo dos 21 anos, alinhando-se à proposta jonasiana de uma ética orientada pelo cuidado com a integridade física e psíquica do ser humano em um horizonte que ultrapassa o presente.