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Resumo
A Casa1, importante centro de acolhimento LGBT em São Paulo, enfrenta dificuldades financeiras, com risco de fechamento em abril de 2025, enquanto busca apoio e alternativas para manter suas atividades essenciais.

Do lado de fora do Galpão da Casa1, atrizes de luto por Polinice, da peça Antígona Travesti, lembram tristemente a situação do projeto social.
Foto: Jean Carniel
Pertinho do emblemático Teatro Oficina, no bairro da Bela Vista, região central de São Paulo, fica o Galpão da Casa1, centro de referência no acolhimento da população LGBT. O Galpão — e outro prédio ali perto — pode fechar por falta de dinheiro, mas, por enquanto, resiste, como Antígona, protagonista da tragédia grega que será apresentada em poucos minutos, em versão travesti.
Pessoas chegam de preto, em sinal de luto e de luta, como as personagens. Em um domingo chuvoso, parece quase impensável que alguém esteja batalhando pela manutenção de um projeto social reconhecido — eleito entre as melhores ONGs do país — e que precisa de R$ 250 mil por mês para sobreviver. A Casa1 resiste há oito anos.

Antígona, interpretada por Renata Cabral, protagonista da peça em ela que reescreveu a tragédia de Sófocles em versão travesti.
Foto: Jean Carniel
Antes da peça Antígona Travesti, adaptação de Renata Carvalho para a tragédia de Sófocles, converso com Ângelo Castro, diretor de Relações Institucionais. Ele fala das muitas frentes de atuação da Casa1 — apoio psicológico, jurídico, cursos — e lembra que mais de 500 pessoas já foram acolhidas desde a abertura, vindas do Brasil e do mundo, de países como Rússia, Irã, Turquia e Jamaica.
Castro conta que a quantidade de pessoas doadoras diminuiu — elas garantem a maior parte do financiamento da Casa1, mas as empresas também desapareceram. “Depois da eleição do Trump e com o cenário político local, ninguém mais doa. As grandes empresas recuaram. Para você ter uma ideia: chegamos a fazer 300 ações com marcas; neste ano, fizemos uma.”

Direção da Casa1 e simpatizantes do projeto precisam de ajuda, daqui e de outros planos, como na peça Antígona Travesti.
Foto: Jean Carniel
Tragédia grega, paulistana e travesti
O galpão de teto alto exibe cartazes como “Vidas travestis importam”, “Lute como uma travesti” e “Creonte, sua hora vai chegar” — Creonte é o rei de Tebas na tragédia de Sófocles e, na versão atualizada, representa os governantes que perseguem a população LGBT. Cerca de 30 pessoas assistem à peça em cadeiras simples; escadas encostadas na parede dividem espaço com armários e, no canto, uma discreta mesinha oferece café e bolo.
A trama competentemente conduzida por Renata Carvalho gira em torno do assassinato de Polinice, filha de Antígona — ambas travestis. Um decreto de Creonte proíbe o uso de nome social, as honras fúnebres e o enterro no Cemitério da Consolação. As travestis se revoltam: fazem cartazes, organizam uma passeata, gravam vídeo (“com filtro”) para as redes sociais. A peça é crítica, atual, irônica, política — e até provoca risos.

Na peça Antígona Travesti acontece uma passeata com cartazes, que também servem para reivindicar o espaço físico e social da Casa1.
Foto: Jean Carniel
As atrizes são batalhadoras – desculpem o clichê – no palco e na vida. Entre elas está, por exemplo, Ave Terrena, autora de obras como Segunda Queda, uma coletânea de poesias de gente grande — muito grande, no sentido da estatura estética. A peça segue na Tebas que é São Paulo, o Brasil, o mundo. E os paralelos com a situação da Casa1 são inevitáveis.
Um deles é a resistência — mas também o desânimo, porque ser humano é cansar de lutar. Há um momento emblemático em que Antígona desabafa por passar a vida reivindicando direitos, respeito, dignidade, nome social, financiamento, segurança, felicidade, a possibilidade de viver da arte ou simplesmente sobreviver. Não cronometrei, mas a peça termina no tempo certo, evita o erro comum de se estender demais.

Peça Antígona Travesti, no Galpão da Casa1: teatro gratuito e acolhimento; lá fora, a dificuldade em captar recursos.
Foto: Jean Carniel
Burocracia, preconceito e outros entraves às travestis
Terminada a peça, volto a conversar com Ângelo Castro. Ele explica que, mesmo quando havia financiamento, o aporte “nunca foi uma posição constante das empresas; às vezes era uma verba que precisava ser aplicada em iniciativas de gênero”. Ele fala das consultorias e de outros trabalhos prestados pela Casa1, agora com um terço a menos de funcionários — profissionais que tiveram de ser dispensados.
Castro fala ainda da burocracia na busca por certificações e da única emenda parlamentar federal obtida no ano passado, por meio da deputada Erika Hilton (PSOL). Outras duas foram barradas por causa da natureza do trabalho LGBT. No plano municipal e estadual, há dificuldades para concretizar eventuais verbas: foram 64 ofícios relacionados a emendas — e nada.

Em Antígona Travesti, dificuldades desanimam, mas travestis não ficarão de braços cruzados, nem na peça, nem diante do possível fechamento da Casa1.
Foto: Jean Carniel
Castro explica duas formas de ajudar a Casa1. Uma delas é pela Nota Fiscal Paulista: quem quiser contribuir pode se cadastrar no site do programa para destinar os créditos fiscais, ou juntar as notas impressas — embora isso traga grande dificuldade logística para recolhê-las, exigindo urnas no comércio. Outra possibilidade é o Visa Causas, também mediante cadastro no cartão de crédito. Os responsáveis pela Casa1 estão tentando de tudo.
Antes de ir embora, paro para conversar com Iran Giusti, um dos fundadores. Ele fuma sentado em um banco do lado de fora do Galpão. Alguém passa e menciona um compromisso. “Depois que passar essa turbulência, a gente vai resolver.” Guardei a frase — ela imagina um futuro. Quem sabe a Casa1 resista como Antígona e suas amigas travestis?


