Amara Moira traz para a Flip 2025 o romance ‘Neca’, escrito em bajubá, dialeto das travestis

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A escritora Amara Moira não quis “xoxar” ninguém quando escreveu “Neca: romance em bajubá” (Companhia das Letras), lançado em 2024. Na verdade, pretendia apresentar ao grande público o dialeto de rua em que foi alfabetizada junto a outras travestis. E conseguiu: a obra já ganhou tradução para o inglês, o alemão e o espanhol, e aguarda publicação internacional. O romance também trouxe Amara para esta Flip, como convidada em cinco mesas da programação paralela, onde falou sobre linguagem, sexualidade e novos projetos literários.

O bajubá, ou pajubá, tem o português como base, mas também mistura palavras de diferentes origens, como o iorubá, o banto e culturas europeias. Sua consolidação entre travestis de rua aconteceu no contexto da ditadura militar, nos anos 60 e 70, e serviu como uma forma de proteção, já que quem é de fora não compreende o dialeto.

— Eu rechaço a ideia de um glossário para o bajubá. É uma língua secreta, que a gente aprende no convívio. No livro, até brinco com isso. Não é para espantar o leitor, aos poucos ele vai conseguir associar as palavras e entender o que está por trás. E, se não entender, está tudo certo também, o português é cheio de ambiguidades, palavras desconhecidas, né? — ponderou Amara, autora também de “E se eu fosse puta” (2016), “Vidas trans: a coragem de existir” (2017) e “A resistência dos vagalumes” (2016).

Em “Neca” (pênis, em bajubá), o leitor é testemunha de uma conversa entre as “travas” Simona e Amara. As duas dão detalhes sobre a rotina na prostituição (“Cê acredita que ele pediu pra eu nenar na neca dele?”), a transição de gênero (“Era Simon pra cá, Simon pra lá, falavam alto, um cutucando o outro, apontando, rindo…”), os amores ou sua ausência (“Amor é palavra maldita, só serve pra fazer bicha sofrer e ficar pobre”), e também sobre as violências e sonhos.

 Márcia Foletto 'Essa língua está em constante transformação, posso até dizer que o bajubá do livro está velho', diz Amara — Foto: Márcia Foletto

Escrito inteiramente no dialeto, o livro traz palavras recorrentes, como ocó (homem hétero), edi (ânus), guanto (preservativo), alibã (policial), mapô (mulher), aqüé (dinheiro), barroco (velho) e maricona (homem passivo, sem ser gay).

— Essa língua está em constante transformação, posso até dizer que o bajubá do livro está velho. Para se manter secreta, ela precisa ir se renovando e, se você sai da rua, deixa de se atualizar. Eu mesma, se voltar a conviver na rua com as travestis, vou ter dificuldade em entendê-las — explicou Amara.

Segundo a autora, este livro se distingue do biográfico “E se eu fosse puta” ao reservar às protagonistas o contraditório, a possibilidade de serem figuras trans carregadas de transfobia, preconceitos e rivalidades, principalmente quando o assunto é, por exemplo, o ocó com necão que as deseje como mapô.

— “Neca” não é uma obra comportada. A forma como eu aprendi bajubá não foi “limpinha”, sem conflitos, e as travestis de rua refletem isso, elas não escondem suas ambiguidades. Temos essa referência de sermos desconstruídas, mas isso leva tempo, um tempo que também muda e traz outras complexidades. O mais importante desse livro é fazer com que olhem com encantamento para essas pessoas.

A propósito: “xoxar”, em bajubá, significa “falar mal”, “criticar alguém”.

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